Reinaldo Azevedo sobre COTAS RACIAIS
E prossegue o febeapá sobre raças. Agora oficial
A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, concede uma entrevista a Roldão Arruda no Estadão neste domingo. A íntegra está aqui. Ela, claro, defende as cotas nas universidades e o Estatuto da (Des)Igualdade Racial. Lendo as respostas, eu me pergunto até quando nós, da imprensa, vamos deixar que prosperem algum mitos, mentiras mesmo, sobre a questão racial brasileira. Mais do que isso: até onde os brasileiros poderemos tolerar que uma autoridade simplesmente defenda o desrespeito à lei. Selecionei alguns trechos de respostas, que comento:
Diz ela: “Qualquer pessoa, desde que enxergue um pouco, ao olhar para o quadro de funcionários das empresas que operam no País, brasileiras ou de capital internacional, verá que o contingente de brancos é altamente superior ao de negros."
Digo eu: É claro que é. Os negros são 6% do país; os brancos, 52%. Os dados são do IBGE, com base na autodeclaração. O Estatuto também usa esse critério.
Diz ela: “Quando falamos de negros, estamos nos referindo a quase 50% da população do País. A meta é abrir possibilidades de inserção a esse contingente nas universidades e no mercado de trabalho, de forma gradual, combinando políticas universais com políticas afirmativas"
Digo eu: Falso. Os negros são 6% da população. 41% declaram-se mestiços — com uma enorme variante de misturas. Por que o filho de um negro com um branco é negro? Ele não é tão afrodescendente como eurodescendente? Dados oficiais demonstram que o perfil racial do Terceiro Grau já é quase idêntico ao da sociedade brasileira. Para mais detalhes, leiam texto que postei aqui no dia 6, às 4h32, intitulado “A Parte e O Todo: a farsa das cotas e a aritmética do MEC, que precisa de cota de matemáticos”. O MEC petista parece que não sabe fazer conta. Pelo visto, Dona Matilde também não.
Diz ela: “A Constituição diz que somos todos iguais perante a lei, mas existe um hiato entre o que está escrito lá e a vida.”
Digo eu: Se a Constituição, garantindo a igualdade, não consegue a sua real efetivação, então chegaríamos a ela instituindo a desigualdade, é isso? Santo Deus! É o que se poderia chamar de uma tese asinina.
Acreditem: só um petista pode piorar o outro, e não há ninguém capaz de melhorar os dois. O governo sentiu cheiro de carne queimada no tal Estatuto da Igualdade Racial, contra o qual, diga-se, a oposição não levantou um miserável dedinho, e está decidido ele mesmo, que patrocinou a estrovenga (ver abaixo as notas, com íntegra do dito-cujo), a mudar. Está abrindo mão de instaurar o apartheid no Brasil.
Antes que continue, uma observação lateral: por que as oposições se calaram diante da violência do texto de Paulo Paim é fato que mereceria um ensaio de sociologia política. Basicamente, foram seqüestradas pela agenda do PT e temem o cafetinagem política promovida pelos “donos” das minorias organizadas em ONGs.
Os “donos” das organizações não-governamentais se transformaram em verdadeiros aiatolás do Brasil: falam nas rádios, decretam fatwas, dizem como devemos andar, nos vestir, o que dizer, o que calar, a quem querer. Alguns vivem montados na grana, é claro, que ninguém é de ferro. O oprimido é a commoditie mais valorizada do Brasil hoje em dia. Os donos das ONGs, leitor amigo, amam a humanidade muito mais do que eu e você. Eles fazem dumping de amor. Eles se estapeiam por um miserável para chamar de seu.
Agora volto ao Estatuto. Tarso Genro pode cometer muitos equívocos, mas está a léguas de ser burro. O PT que interessa, ele sabe disso, é o que discrimina por meio da inclusão, não da exclusão; é o que se vai convertendo no imperativo categórico à medida que generaliza a sua visão de mundo, e não instituindo leis que apartem as pessoas. Até a criação de cotas nas universidades, vá lá, o partido foi. A tese sempre pareceu simpática a muitos, e é relativamente pequena a percentagem dos brasileiros que chegam ao terceiro grau.
Mas, com o Estatuto... Bem, aí Paulo Paim parece ter entrado numa crise de mania, num surto. Tarso sabe muito bem, como eu sei, leitor amigo, que a maioria no Brasil é branca — 52%. Entre os 41% dos ditos pardos, os há de todos os matizes: desde os Ronaldos Nazários que dizem: “nós, os brancos, não enfrentamos racismo” até os brancos de tataravô negro que fazem seu proselitismo: “Nós, os negros...” Em suma, a minoria estava impondo sua vontade à maioria.
Antes que as oposições reagissem, reagiu a sociedade. E o governo teve uma idéia sensacional: por que não converter o Estatuto da Igualdade Racial em Estatuto da Igualdade Social? Ou seja: o Brasil será uma Bolsa Família de dimensões continentais. Eu não sei como é que se vai enfiar um “pobre” no curso de Medicina ou de Odontologia da USP, mas eles haverão de dar um jeito. Muito provavelmente, no caso da universidade, vai-se buscar alguma forma de ampliação do ProUni, aquele programa que transfere recursos do Estado para mantenedoras privadas, algumas sem qualquer compromisso com a qualidade.
O texto de Paim previa até 20% de cotas para negros ou descendentes nos programas de televisão. Serão trocados pelos pobres? Tomara! Isso levaria as novelas, o jornalismo e os filmes brasileiros a aumentar a cota de ricos e pessoas bem-sucedidas. Quero ver o que a Regina Casé faria da vida. Eu não suporto ver lavadeiras cantando à beira do riacho no Globo Repórter. O que será de nós sem aquelas bordadeiras que não podem ver acender a luz das câmeras que já começam a esganiçar a sua memória folclórica...
Pelo estatuto, empresas públicas que financiassem produtos culturais poderiam exigir que eles estivessem comprometidos com a causa. Bem, saindo o negro e entrando o pobre, como isso seria feito? Filmes e peças de teatro deveriam, sei lá, promover a cultura da pobreza, que seria, então, tornada uma categoria de pensamento?
Estamos perdidos. Dia desses, vi na TV a divulgação de um evento esportivo promovido por uma tal Central Única das Favelas (Cufa). Trata-se do primeiro campeonato de basquete de rua do Brasil. Basquete de rua? No Brasil? Também divulgam um outro site, este dedicado ao hip hop. A central contra com o apoio de um sem-número de empresas e entidades. A Fundação Ford e a Petrobras estão entre elas.
Entrei no site (
http://www.cufa.com.br/). Está explicada ali a sua principal ocupação: “A Cufa funciona como um pólo de produção cultural e através de parcerias, apoios e patrocínios forma e informa jovens de comunidades, oferecendo perspectivas de inclusão social. Promove atividades nas áreas da educação, lazer, esportes, cultura e cidadania – contribuindo para o desenvolvimento humano – e trabalha com oito elementos do hip hop: graffiti (movimento organizado nas artes plásticas em que o artista aproveita espaços públicos, criando uma nova identidade visual em territórios urbanos); DJ (artista que alia a técnica à performance, utilizando pick-ups e discos de vinil); break (estilo de dança de rua originário do movimento hip hop); rap (‘ritmo e poesia’, estilo musical culturalmente herdado das populações latinas e negras e cujas letras retratam o cotidiano das periferias); audiovisual (valorização da imagem como instrumento de mobilização social); basquete de rua (esporte oficialmente embalado pelo rap); literatura (onde os jovens expressam sua arte e suas vivências através da escrita e obtêm conhecimentos relativos às obras ou aos escritores literários) e projetos sociais (conjunto de ações que busca por uma transformação social a partir das comunidades). Além disso, promove, produz, distribui e veicula a cultura hip hop através de publicações, discos, vídeos, programas de rádio, shows, concursos, festivais de música, cinema, oficinas de arte, exposições, debates, seminários e outros meios.”
Nada a comentar. Já houve um tempo em que até a esquerda cantava “Feio não é bonito/ O morro existe mas pede pra se acabar/ Canta mas canta triste/ Porque tristeza e só o que se tem pra contar”. Agora não. As favelas viraram comunidades. Os favelados são uma casta. Como se vê, desde que esse “identitarismo” chegou ao Brasil, elas se tornaram locais bem mais hospitaleiros. Olhem o que aconteceu com os jornalistas no Rio neste sábado, impedidos pelo narcotráfico de subir o morro acompanhando um candidato. Ele obteve “autorização” (ler abaixo). A Cufa quer bater bola e vender CD do MV Bill chamado “O Bagulho é Doido”. Há links para quase duas dezenas de textos elogiando a sua performance sociológica. Todos publicados na “imprensa dos bacanas”. O bagulho, além de doido, é bão.
O Brasil entrou em decadência sem ter conhecido qualquer forma de esplendor. O declínio da civilização brasileira não poderá ser contado. O PT percebeu que todos os valores estavam sob ataque e ajudou e ajuda a promover a fragmentação, que procura depois reunir no partido, por meio de “causas”. As demais legendas continuam ocupadas em disputas do século passado, quiçá do anterior. É o bagulho, irmão.