Há algum tempo venho acompanhando esse embate entre o governo e as empresas de comunicação e entretenimento, especialmente os que utilizam a televisão. A briga é feia, mas o que mais me surpreende é a apatia da população.
Estão fazendo crer que o governo é o vilão ao propor um controle sobre a programação distribuída na televisão. Uma propaganda bonitinha levada ao ar nas principais redes sugere que cabe aos pais, não ao estado, decidir que tipo de lixo seu filho pode consumir na TV.
Não estou discutindo a prerrogativa dos pais de educar seus filhos. Mas, se for assim, o raciocínio pode facilmente ser estendido às drogas. Basta vir uma etiqueta no pacotinho de maconha, dizendo que não faz bem à saúde, e atribuir aos pais o direito de decidir se seus filhos devem ou não fumá-la. Também não consigo entender a restrição à propaganda de cigarros. Aliás, porque proibir propaganda de bebidas alcoólicas durante a programação infantil?
Acho que vivemos em uma sociedade podre. E hipócrita. Família é uma coisa quase em extinção, pelo menos no conceito mais antigo da palavra. Mais comuns são grupos sociais com laços essencialmente econômicos. Respeito, consideração, costumes e tradições viraram motivo de chacota.
Claro que não podemos generalizar. Mas hoje é muito comum a existência de lares acéfalos. Aquele tal de respeito ao pai e à mãe, xiii.. já foi pro espaço.
E o que a TV tem a ver com isso?
A TV perdeu uma grande oportunidade de transformação, para melhor, desse país. Perdeu, em termos, porque eles ganham tubos de dinheiro.
Ligue a TV e veja quais conceitos estão por trás da imensa maioria dos programas: inveja (merece um capítulo à parte, pois é a mola propulsora do consumismo), medo, traição, mentira. São mulheres traindo seus maridos, e vice e versa, pais que enganam filhos, filhos que mentem para os pais (e ficam bonitos na foto).
O que pode ensinar um programa como o Big Brother? A essência do jogo é um enganar o outro. Mentir, dissimular, fingir sentimentos, forjar situações... tudo isso recheado de erotismo, sexo fácil, consumismo...
E esse não é o pior programa da televisão... A quantidade de lixo é absurda. Programação feita para formação de idiotas: estimulam os sentimentos mais inferiores e convidam ao consumo: tenha medo e consuma... tenha inveja e consuma... sinta o erotismo e consuma...
E por aí vai.
É daí que saem jovens completamente desconectados, loucos, com escala de valores completamente invertidas. São capazes de matar uma pessoa para roubar um tênis.
Afinal, o que vale um ser humano perto de uma marca famosa de tênis? Que se dane a pessoa, desde que eu fique com o tênis.
A TV é a sala de aula das nossas crianças. Ela é um dos principais elementos formadores da nossa sociedade, que gera monstros como aqueles que arrastaram um menino no Rio, ou tantos outros que a gente ouve dizer todos os dias... na própria TV.
Antigamente as crianças ouviam conselhos de seus pais ou parentes, pessoas mais velhas. Valores eram passados de geração para geração: dignidade, bondade, honra. A família tinha tempo para se reunir pelo menos uma vez por dia e falar sobre um monte de coisas.
Hoje quem faz isso é a TV: é ela que define os conceitos que seu filho levará para o resto da vida. E pode estar certo, a preocupação deles é essencialmente com o lucro deles. Seu filho faz parte de uma massa, que, se adequadamente conduzida, produzirá os resultados que interessam a eles.
Lá em cima em chamei nossa sociedade de hipócrita. Acho que é mesmo. Semana passada vi parte da sociedade mobilizada em função das propostas para discussão sobre o aborto vindas do ministro da saúde do governo federal.
O negócio é mais ou menos assim: milhares de mulheres, com ou sem autorização, fazem aborto em clínicas clandestinas, que ganham uma grana lascada, e uma quantidade grande delas morrem ou sofrem complicações que vão parar na rede pública de atendimento médico. Ninguém está discutindo se deve ou não fazer aborto: isso já fazem de qualquer jeito. A questão é se o estado deve ou não dar assistência a essas pessoas para que elas tenham um atendimento digno (e salvar vidas, claro).
Ah... A sociedade se escandaliza. Isso não pode. O aborto é contra a lei de Deus.
Ok, não vou nem entrar no mérito da questão.
Mas e a TV... Ninguém vai se escandalizar não? O lobby das emissoras vai tolher a capacidade do estado de fiscalizar em benefício dos cidadãos e vai ficar por isso mesmo?
Quando cito hipocrisia, é nesse sentido que estou falando.