O culto ao Companheiro-Presidente
Culto à personalidade é uma coisa assim: a Biblioteca Nacional organizou uma lista de 2.000 títulos para abastecer o seu programa Livro Aberto. Tem de tudo. Desde "A Divina Comédia" de Dante e "Lúcia McCartney", de Rubem Fonseca, a manuais de matemática ou trabalhos de culinária. Numa inédita excentricidade, incluíram uma biografia do presidente da República. Chama-se "Lula, Filho do Brasil", escrito pela jornalista Denise Paraná.
Lula é o único homem público vivo numa lista de 54 obras biográficas ou memorialísticas. Fazendo-lhe companhia, só Oswaldo Aranha (1894-1960) e o Barão do Rio Branco (1845-1912). Noves fora Winston Churchill (1874-1965), nenhum outro governante, brasileiro ou estrangeiro.
Discutir listas de livros é uma forma de suicídio. A compra dessas obras custará uma mixaria. A seleção da Biblioteca Nacional é valente e benigna: Nelson Rodrigues, Chico Xavier, Olga e Zico. É bom ver uma lista sem medalhões, mas é difícil admitir que numa seleção desse tipo só o Barão de Mauá, Assis Chateaubriand (Chatô) e Silvio Santos possam representar o empresariado. Isso numa galeria onde há três jogadores de futebol e três compositores.
O livro de Denise Paraná é um trabalho magnífico. Ninguém produziu um retrato de Lula tão revelador e, em certos momentos, estarrecedor. Assenta-se em entrevistas com ele e seus familiares. "Lula Filho do Brasil" ensina que ele é o único governante do mundo que, nas suas palavras, presenciou e apoiou um linchamento (página 80).
Fernando Henrique Cardoso teve um livro-entrevista publicado durante seu mandarinato. Nunca foi incluído em cestas de compras oficiais. Lula absorveu a herança bendita do serviço de manicure que atendia FFHH. Bem que poderia ficar com a herança maldita de não gastar dinheiro da choldra na sua glorificação bibliográfica.
(Em tempo: manicure no Alvorada é coisa nova, D. Lucy, mulher do general Ernesto Geisel, cortava-lhe as unhas.)
O Guia Genial dos Povos acabou mal
Legenda: Dois Stálin, o ladrão de bancos e o Guia dos Povos, no livro
Está chegando às livrarias "Stálin - Triunfo e Tragédia", a biografia do Guia Genial dos Povos escrita pelo general russo Dmitri Volkogonov. Triste fim o de Stálin. Acabou na mão de um filho de pai fuzilado. O general era um quadro do aparelho de propaganda do Exército soviético e foi um dos primeiros pesquisadores a abrir as mais secretas pastas do Kremlin.
"Triunfo e Tragédia" cobre o período que vai de 1879 a 1939. Esmiuça os crimes e os expurgos que fizeram de Stálin o personagem da História que mais matou comunistas. Mostra também como um grupo de visionários pobres e ascéticos (Lênin proibia aos membros do partido que cobrassem horas extras) transformou-se numa súcia de pobres aproveitadores e assassinos. Stálin tinha menos roupas que o garçom de Churchill, mas muito antes da chegada de coisas como o "mensalão" e o "gibi" a outros governos populares, os camaradas soviéticos recebiam "envelopes" e eram atendidos por vagões ferroviários privados.
O Guia Genial de Volkogonov é o filho de um pai bêbado, pai de um filho alcoólatra e viúvo de mulher suicida. Num escrito do anarquista Bakunin, Stálin sublinhou a seguintes frase: "Não perca tempo duvidando de si mesmo, porque este é o maior desperdício de tempo jamais inventado pelo homem".
No livro está a narrativa do massacre dos agricultores pela fome e pelos campos de concentração. É a história da construção de um tirano sem dúvidas. Escreveu a própria biografia e trechos do hino nacional. Volkogonov vai contra a maré. Rebate a tese da "mediocridade" de Stálin, nascida da brilhante maledicência de Trotsky. De burro ele não tinha nada, nem de inculto.