Carta a Mayra e aos invasores da USP
Recebi uma mensagem de uma invasora da USP chamada Mayra, que diz dar a “cara do tapa”. Besteira. Um simples prenome não é sinal de identidade, moça. Mas tanto melhor que vocês estejam aí, lendo o meu blog, usando para alguma coisa útil a banda larga que o estado tão generosamente lhes fornece, com o dinheiro suado do povo de São Paulo que jamais vai pisar na USP. Reproduzo abaixo, em vermelho, o que ela me mandou, sem tirar nem pôr nada. Retomo em seguida.
Talvez aqui não caiba fazer um comentário justo, pois as pessoas que estão se posicionando nesse site não dão a cara a tapa como estou dando, mas, mesmo assim, uma pessoa que luta pela liberdade de expressão e fala livre para todos deve, sim, se posicionar em todos os meios que lhe forem fornecidos ou justamente conquistados através de uma mobilização e luta!
Estamos aqui exatamente lutando por essa liberdade.
Aqui, não foi citado - óbvio, pois é um meio de comunicação imparcial e com a clara vontade de persuadir a opinião do leitor - que nós estamos tentando desde o ano passado abrir um diálogo com a nossa estimadissíma reitora e ela se recusou e se recusa a dispor de cinco minutos para conversar conosco.
A nossa luta aqui não é para "instaurar o socialismo". É, sim, para que tenhamos um ensino público, de qualidade e gratuito para todos, começando pelos que já estão nesse "centro de excelência", mas também para todos os que pleiteiam uma vaga em nossa universidade e nas universidades estaduais UNICAMP, UNESP e FATECs.
Gostaria de enfatizar aos mais desavisados que dentro desse prédio encontram-se estudandes de todos (ou quase todos) os institutos e campi da USP, além de comissões da PUC, UNESP, UNICAMP, FATEC e CEFET - SP.
Gostaria muito de saber o que o "camarada" jornalista tem a dizer a respeito de democracia sem cair no lugar comum e acreditar que se ficássemos pedindo eternamente por moradia estudantil e reformas nos prédios da FFLCH, IME (instituto de matemática e estatística - SIM!!!! EXATAS!) e FOFITO (fisio, fono e to - SIM!!! BIO!!!) isso cairia iluminadamente do céu.
Não cairia como não caiu por 20 anos, já que o prédio da letras encontra-se provisório desde antes mesmo de eu nascer.
Se alguém pudesse entrar aqui, veria que o dinheiro dispendido para que o prédio seja tão bonito corresponde a no mínimo 4 vezes mais do que seria gasto para que o teto do banheiro da letras não caia na cabeça d@s estudantes.
Aqui tem coisas maravilhosas e absolutamente desnecessárias como portas de vidro, chão de mármore e granito.
Retomando
É claro que essas coisas me levam a fazer download do capeta. Mas vou pegar leve com Mayra. Seu nome, que é, em si, bonito já pode trair — é uma hipótese — uma sina. Remete a um romance de Darcy Ribeiro, o mais gagá de nossos utopistas. Darcy tinha uma capacidade formidável de falar horas a fio de assuntos sobre os quais não entendia nada. Sua retórica era de tal sorte caudalosa e entusiasmada, que não havia como não se excitar com aquilo. Era um intelectual notável: quando era claro, era oco; quando tentava ser profundo — como no caso do livro O Processo Civilizatório —, era incompreensível. Xiii, já me desviei. Volto lá.
Pego leve com Mayra. Há algumas indicações de que se trata mesmo do texto de uma garota, de uma jovem estudante, seduzida pela glossolalia de esquerda. Ademais, a despeito dos erros, escreve com mais clareza do que boa parte de seus professores, o que não deixa de ser um mérito. Pois é, companheira. Não sei o que andaram lhe dizendo aí na USP, mas ensino universitário “público, gratuito, de qualidade e para todos” não existe em nenhum país do mundo, rico ou pobre, capitalista ou comunista. Sempre há uma seleção e um afunilamento: ou são ditados pelo mérito, ou pela fidalguia, ou pela renda.
Explico, Mayra. Nos países democráticos, quem decide é o mérito. Chegam à universidade, de fato, os melhores. O ensino de Terceiro Grau é o terreno da pesquisa e da investigação científica. Não se confunde com caridade. Sejam em universidades públicas européias, seja nas instituições privadas americanas (geridas por fundações, com doações de empresas e indivíduos), só atingem esse patamar os realmente melhores. Universidade transformada em supletivo — especialmente as que integram o famigerado ProUni —, só no Brasil. Aproveito para falar, então, do nosso país. Por aqui, a questão do mérito é tisnada pela exclusão social, Mayra. Só ricos estudam nos cursos competitivos da USP, reparou? Não me refiro a Letras, Pedagogia, História, Geografia Filosofia — as humanidades, pasto preferencial do proselitismo petista. Falo de Engenharia, Medicina, Odontologia — os chamados cursos “caros”.
Olhe que coisa, Mayra. As estatísticas perturbadas apresentadas pela esquerda fazem crer que metade dos alunos da USP vem de escolas públicas. É mesmo? E quantos deles estão nos cursos de alta performance? Você sabe tão bem quanto eu, Mayra, que, nesse caso, quando o aluno entra na escola, sua família tem um ganho de renda, certo? Deixa de pagar a escola particular do filho, que vai estudar aí, de graça, com a grana dos desdentados. Em suma, menina: o “ensino público, gratuito, de qualidade e para todos” do Brasil é público, gratuito e de qualidade para a elite econômica. A universidade que a esquerda defende é a da exclusão social.
E existe, Mayra, o terceiro tipo de país, onde só estudam os fidalgos. Trata-se dos países comunistas. São poucos hoje em dia, mas um deles reúne um quarto da humanidade: a China. Ali se misturam o pior da ditadura comunista com o pior do capitalismo selvagem. Só chegam ao Terceiro Grau os filhos daqueles que conseguem ascender na hierarquia do Partido Comunista.
Assim, Mayra, essa história de “ensino público, gratuito, de qualidade e para todos” é conversa para boi dormir. Não existem condições técnicas nem recursos para tanto. Não seremos o primeiro país do mundo a atingir tal condição — porque ela nega, inclusive, a essência do ensino universitário. Os países mais avançados do mundo têm um alto índice de formação de técnicos de ensino médio. Saia dessa vida, menina. Tenho 45 anos. Essa já era a cantilena de quando eu entrei na USP, há 27 anos. Também invadi o Crusp, sabia? No tempo em que a área de moradia era ocupada pela Faculdade de Letras. Não, não me orgulho. Eu, na verdade, me arrependo muito. Mas não posso voltar no tempo. Em 1980, vá lá, havia uma ditadura no país; só teríamos as primeiras eleições diretas dali a nove anos. Mas o país vive, hoje, uma democracia. E vocês se comportam como uma horda de fascistas.
Eu lhes fiz um desafio, Mayra. Demonstrei que os três motivos alegados para a invasão já não existem. Vocês estão sendo massa de manobra da burocracia universitária: dos reitores e dos professores a serviço de partidos e seitas políticas, que querem ganhar um pouco mais de “autonomia” — entendida a “autonomia” como falta de transparência. Eles não querem dizer em que gastam os generosos recursos que recebem. E vocês aplaudem. Mais ainda: privatização do ensino público é a que promove o governo federal por meio do ProUni, injetando dinheiro público em faculdades que são verdadeiras lojas de conveniência.
Vocês, invasores, estão contribuindo para enxovalhar a USP e para jogar água no modelo lulista de universidade. Em vez do “ensino público, gratuito, de qualidade e para todos”, vocês estão ajudando a consolidar o “ensino privado, pago, sem qualidade e para os pobres”.
Parem com essa farsa. A máscara caiu. Os motivos da invasão não existem. São falaos. Agora, restou apenas a questão política, explicitada por um de vocês ao tentar parar uma aula de filosofia: o movimento é “contra o Serra”. Vale dizer: trata-se de um ato político-partidário. Executado segundo a mímica dos movimentos fascistóides.
http://www.reinaldoazevedo.com.br
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")