by Aldo » 05 Jan 2006, 11:52
Do site do Nelson Motta...
Início de 1989, Tim Maia ao telefone:
"Alô alô Nelsomotta, eu vou fazer um show no teatro do Hotel Nacional para comemorar trinta anos de carreira ... ( pausa ), ou melhor, trinta anos de carreiras, (gargalhada) e quero que você seja o diretor."
"Tim Maia, além de muito mais pesado do que o ar você é absolutamente indirigível", tentei argumentar.
Era esta a sua graça e sua força. Ele sempre soube que músicas cantar, que músicos chamar, que arranjos fazer. Recebi o convite mais como uma demonstração de afeto, esperando ser útil de alguma maneira. Ele disse que então eu seria uma espécie de "conselheiro". E mandou botar meu nome no cartaz do show como diretor. Imaginem, aconselhar Tim Maia...
Mas acabei sendo útil. "Escolhemos" as músicas, ele encomendou os arranjos a seus maestros e chamou os músicos: a Banda Vitória Régia e uma orquestra de cordas. Mais de trinta músicos no palco. Os ensaios, no estúdio dele no Recreio dos Bandeirantes, correram animadíssimos e sem incidentes maiores que não espôrros monumentais que Tim dava nos músicos com regularidade. Mas dois dias antes do show ele me telefonou apavorado: um oficial de justiça estava batendo na sua porta com um mandado judicial. Disse que não iria abrir de jeito nenhum e implorou que eu fizesse alguma coisa.
Achei que o melhor era procurar um velho amigo de meu pai, o Dr. Hélio Saboya, Secretário Estadual de Segurança. Contei-lhe o problema, irresponsavelmente prometi que Tim se apresentaria depois do show, mas que ele por favor segurasse a onda por dois dias. Ele pediu um tempo para saber o que estava acontecendo. Duas horas depois me ligou, às gargalhadas: no mandado que o oficial de justiça queria entregar a Tim ele não era o réu, mas o autor da ação penal - uma das muitas que ajuizou contra empresários, músicos, gravadoras, revistas e jornais. E depois esqueceu.
Um dia Tim me convida para visitá-lo no seu apartamento na Barra da Tijuca e manda chegar cedo. Às nove da manhã já o encontro alegre e bem disposto, de bermudas e Rider, acabando de tomar um café da manhã reforçado, com ovos, frutas e bolo. Diz que acordou às sete e este já é seu segundo. Acende um imenso baseado, pede café e ovos para mim e me toca uma fita. É de seu show no Olympia de São Paulo, com boa qualidade de gravação e grande performance de Tim. Quer saber se a Warner quer comprar. Eu era diretor artístico da gravadora. Claro que quer, respondo sem hesitar, sem saber ainda de onde vou tirar dinheiro, em pleno Plano Collor. Tim quer um "levado" de U$ 30 mil pela fita e mais royalties de 16% sobre as vendas.
Implorei ao presidente da Warner que me desse o dinheiro, argumentei que era um disco popular, que podia vender bem. E afinal, já estava quase pronto. Tínhamos apenas que regravar alguns instrumentos, Tim queria refazer algumas vozes no estúdio e mixar. Beto topou e Tim assinou. Durante três semanas, todos os dias de manhã nos encontramos nos estúdios Impressão Digital, na Barra, para trabalhar no disco. Mais que um trabalho, foi um divertimento conviver com Tim, seus múltiplos lanches e baseados e vice-versa. Era um prazer aprender com ele, um mestre dos estúdios, como se encontra o timbre de cada instrumento, como se utiliza melhor a tecnologia. Era uma alegria ouví-lo cantar seus grandes sucessos e contar suas melhores piadas. Tim estava sempre de bom humor, não houve qualquer problema e o disco ficou muito bonito. Mesmo lançado no pior momento da crise econômica, começou a vender lentamente, ganhou força e estourou. Foi um dos raríssimos lançamentos da Warner a fazer sucesso no ano. Mas provocou a minha primeira e única briga com Tim Maia.
Feliz com o sucesso do disco, um dia abro o jornal e leio uma entrevista de Tim, reclamando que foi explorado e passado para trás pela Warner. Fiquei furioso, me senti atingido, afinal eu é que tinha negociado o contrato com ele. E aceitado, sem regatear ou discutir, exatamente tudo que ele tinha pedido. Me senti traído e escrevi-lhe uma carta sentida mas dura. Falando sobre vinte anos de amizade e lealdade, lembrando os termos do nosso acordo, dizendo que ele era um idiota por não perceber que eu sempre estive do lado dele e fiz exatamente o que ele me pediu. "Voce se queixa da solidão mas trata seus amigos assim", eu reclamava, reiterando que gostava muito dele e que adorava a sua música. Mas que ele era um maluco irresponsável.
Dois dias depois, não acreditei quando vi a minha carta, que não mostrei a ninguém, que era pessoal e confidencial, publicada no jornal. Como foi parar ali? Dada pelo próprio Tim Maia, informava a matéria. Uma carta que o esculhambava e assegurava que todas as suas exigências foram cumpridas e que ele não tinha nenhuma razão.
Alguns dias depois, uma inconfundível voz de trovão ao telefone:
"Alô? Nelsomotta? Adivinha quem está falando?"
"Ed Motta", provoquei.
"Olha aqui, ô Nelsomotta, esse meu sobrinho Eduardo canta direitinho mas é burro porque não gravou nenhuma música romântica. Ele precisa namorar muito, ser bem corneado e gravar música romântica. Aí ele vai entender porque o Julio Iglesias vende tanto disco.”
E voltou ao motivo inicial do telefonema:
"O Nelsomotta, nós dois estamos parecendo duas velhas ridículas batendo boca no supermercado, acho que nós estamos mesmo é na andropausa, que é a menopausa masculina. Parece coisa de doidão. Sugiro que esta briga seja dada por encerrada."
Proposta aceita entre gargalhadas. Contei animado a homenagem que minhas filhas fizeram a ele:
"As meninas trouxeram um gatinho para casa e puseram nele o nome de Tim ..."
"Já sei", ele interrompeu, "porque é gordo, preto e cafajeste!"
Não, o gato era cinzento, magro e amoroso.