Uma pitada de A Cauda Longa nessa entrevista com pesquisador Elijah Wald, autor de
Como Os Beatles Destruíram o Rock´n´roll:
Como o rock´n´roll foi destruído pelos Beatles?É uma ideia que não deve ser tomada literalmente porque o rock ainda está por aí. Até os Beatles aparecerem, a performance ao vivo era a principal parte da música. Os Beatles foram as primeiras grandes estrelas a simplesmente parar de se apresentar ao vivo e se tornaram músicos de estúdio. Isso causou duas grandes mudanças. Desde então, quando pensamos em música popular, pensamos em gravações. Quando os Beatles começaram, e falávamos de sua chegada aos Estados Unidos, pensávamos na famosa apresentação no Ed Sullivan Show e não num disco. Eles foram o último grupo musical importante a comprovar esse truísmo. Depois deles, a principal associação da música popular é com as gravações. Em segundo lugar, o contexto racial. Quando os Beatles chegaram aqui, a música americana estava no momento de maior integração racial de sua história. A música americana, como a brasileira, tinha comportado esse processo de interação entre a tradição africana e a europeia. No começo dos anos 60, pela primeira vez, havia uma interação mais igualitária entre as duas tradições. O pessoal da Motown, Ottis Redding, James Brown, eles eram programados em shows ao vivo e de TV e o público estava mais misto. De repente, acontece a invasão britânica. E a invasão simplesmente dividiu as plateias americanas entre os fãs do rock, que se tornou todo branco, e os fãs do soul, disco e hip hop, que viraram gêneros predominantemente negros.
Mas se você leva em conta que grande parte da plateia do rap era branca e suburbana...Não desapareceu o público. É aí que faço a conexão com a gravação. Uma vez que a música popular passou a depender de gravação, era possível ser um tremendo fã de música negra sem nunca estar na presença de uma pessoa negra. Uma vez que tudo estava gravado, você ouvia o que quisesse sem estar na companhia especial de ninguém, fora do seu universo. E acho que foi um dos fatores na separação. Quando os Beatles começaram, eles tocavam gêneros negros e brancos. Depois deles, isso não foi mais necessário. Até os anos 50, todas as bandas tinham que tocar todo o espectro da música popular.
Hoje, com o iPod, a pessoa que houve a Beyoncé pode nunca ser exposta ao Rufus Wainright e vice-versa.Exatamente. Acabou o mainstream. Antes, não importava qual a sua preferência, era impossível evitar um repertório popular. A outra mudança é que o repertório de grandes compositores, como o Jobim, tinha interpretações variadas. Hoje, as músicas do Caetano Veloso são mais conhecidas como as músicas do Caetano, as gravações dele definem e memória do repertório. E isso é um fator importante para encolher o mercado; se uma canção existe principalmente no momento em que foi gravada e não em centenas de versões.
Um dos contrapontos históricos do seu livro é sobre como a evolução da tecnologia foi afetando formatos e gêneros. O que a tecnologia digital está fazendo com a música?Todos têm me feito a mesma pergunta. Se há algo que você aprende, como historiador, é que a gente sempre tira conclusões erradas sobre o presente. Neste momento, eu suponho que sabemos menos sobre o estado da música popular do que em qualquer outro momento na história. A música escapuliu das grandes corporações. As vendas de discos não significam mais nada. Uma pessoa compra um CD e aí? Cem outras copiam? Ou serão mil pessoas, online? Ninguém sabe quem está comprando o que. O rádio perdeu influência, é ouvido principalmente no carro, nos Estados Unidos. As pessoas ouvem as suas playlists, não a lista da estação de rádio. Veja dois exemplos recentes que confirmam a minha ignorância. A música mexicana, poderosa nos Estados Unidos, é distribuída predominantemente por celulares. A maioria dos downloads de MP3 no país são de música mexicana, para consumidores que nem têm outro aparelho além do celular. Numa loja de discos, vejo uma seção inteira devotada a álbuns de videogames. Você compra o CD do Aerosmith como um original do jogo Rock Star. Então, quem sabe de fato o que está acontecendo? A ironia é que as corporações multinacionais continuam muito poderosas, mas os sistemas de distribuição mudaram demais. Não sei como está a audiência do YouTube comparada à audiência dos cinemas. E a tecnologia transforma todos em produtores de conteúdo. Uma coisa é certa. A música ao vivo continua perdendo terreno. É cada vez mais difícil arrancar gente de casa para ver qualquer coisa ao vivo.
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