by mends » 27 Apr 2004, 08:32
capítulo final da entrevista do Diretor do FBI:
CC: Você vai ficar no Brasil?
CAC: A minha decisão é de viver nos Estados Unidos e viver no Brasil. Eu não tenho, é proibido ter uma coisa dessas, mas eu sei, por exemplo, que há agentes que têm cidadania dupla e, tenho quase certeza, o FBI não quer saber desse problema.
CC: É verdade que há entre os agentes secretos um certo receio de retornar aos Estados Unidos nos dias de hoje?
CAC: Já ouvi dentro do próprio FBI, da CIA, adidos militares, principalmente de colegas meus que trabalham no exterior, que há um certo receio...
CC: Por que o receio de retornar?
CAC: Por que nós, que somos a primeira linha de frente, que obtemos informações, sabemos o quanto é possível que amanhã uma ou duas bombas nucleares sejam detonadas dentro de uma cidade norte-americana. Eu espero que isso nunca aconteça, mas que há esse grande receio, há. Agora mesmo vimos esse terrível, mas previsível, atentado em Madri. Como é previsível que tentarão na Inglaterra, em Londres.
CC: Quando você diz “ter informações”, é porque já houve ou vocês interceptaram algum episódio do gênero?
CAC: Sim, já houve um episódio desses...
CC: Que episódio?
CAC: Uma ...uma bomba suja que podia ser detonada em Washington... uma bomba radioativa foi impedida de ser detonada.
CC: Em que ano isso?
CAC: Há quase dois anos. Depois do 11 de setembro, muitas coisas aconteceram.
CC: Isso seria em Washington, próximo à sede do FBI?
CAC: Em Washington, ali próximo, sim, mas obviamente não se fez alarde, isso, se revelado em toda sua extensão, provocaria pânico na população americana...
CC: Peraí. Essa história tem a ver com um certo Padilha, ou algo assim, que foi preso em Chicago, creio, e que está incomunicável até hoje?
CAC: Eu não posso falar em nomes, mas já que você está a dizer, é exatamente esse o homem.
CC: Qual era o alvo?
CAC: Washington. Oito quarteirões na área do Mall, aquela região seria o epicentro, atingiria o Congresso Nacional, a Casa Branca, o Supremo, mesmo sendo uma bomba suja, rudimentar...
CC: Quando o senhor fala em “bomba suja”, quer dizer exatamente o quê?
CAC: Quero dizer uma bomba atômica, embora de menor potência, nesse caso.
CC: Vocês conseguiram impedir uma, mas podem não conseguir impedir a segunda?
CAC: Depois da queda da União Soviética, muitos daqueles países que faziam parte das repúblicas ficaram com armas, artefatos, ogivas nucleares. Nós suspeitamos, por exemplo, de que o Cazaquistão pode ter vendido uma ou duas ogivas nucleares ao Irã. Lembre-se do caso mais recente, do pai do programa nuclear do Paquistão que estava a vender segredos a outras nações.
CC: Na verdade, não se sabe onde está todo o antigo arsenal soviético?
CAC: Não é muito animador falar isso, ainda mais em público, mas, na verdade não, não se sabe. Não houve um inventário muito sério logo depois, principalmente da parte da Rússia. E outra coisa: muitos dos generais russos tiveram que vender armas para conseguir manter os seus exércitos.
CC: Para manter exércitos particulares?
CAC: Não, exércitos do Estado, mas eles, em meio àquela balbúrdia do pós- União Soviética, eram os comandantes-em-chefe, os gestores de uma enorme máquina de guerra. Então, para sobreviver, manter o mínimo daquilo tudo, era necessário fazer dinheiro...
CC: Vendendo armas?
CAC: Vendendo armas, nada mais lógico. Então há um receio muito grande de que amanhã algo catastrófico possa acontecer dentro dos Estados Unidos, ou num dos países aliados. Espero que não aconteça, mas esse receio existe entre os Serviços.
CC: Por que o senhor está a revelar isso?
CAC: Entre outros motivos para que o mundo saiba que o cidadão norte-americano comum não é arrogante, prepotente e antidemocrático, como é a atual administração.
CC: O senhor pretenderia mostrar que nem todas as forças secretas americanas agem da mesma forma?
CAC: Nem todas. Os meus próprios colegas dos Serviços de Inteligência, muitos deles, discordam da maneira como as coisas estão sendo feitas no governo do Bush. Grande parte dos meus colegas do FBI, dos serviços secretos, pensa igual a mim e esse é outro motivo pelo qual estou a falar, é preciso que as pessoas saibam disso, inclusive nos Estados Unidos. Se quiserem, vou ao Congresso depor.
CC: Ao Congresso dos Estados Unidos ou ao do Brasil?
CAC: Com garantias, vou ao Congresso dos Estados Unidos e vou ao do Brasil! O que eu penso é que até chefes, alguns chefes, mesmo colegas da CIA, membros do Departamento de Estado – e eu estou a falar de altos funcionários do Departamento de Estado e outros órgãos do governo – pensam e sentem. Exatamente da maneira que eu estou aqui a me expressar, mas não vão falar, têm receio de falar. Também eles acham que a administração de Bush é, basicamente, uma cambada de loucos...
CC: De fundamentalistas, fanáticos...
CAC: Não tem nada a ver com religião e sim com interesses políticos e interesses privados de quem não tem o mínimo conhecimento do que seja o mundo. O governo de vocês, esse de agora, do Lula, está agindo com cautela, com alguma distância necessária, inclusive nos negócios.
CC: Me dê um exemplo.
CAC: O GPS, o sistema de navegação global. O mundo depende dos Estados Unidos, embora existam dois sistemas: o GPS nos Estados Unidos e o sistema russo...
CC: E o Brasil adotou qual?
CAC: O Brasil está a adotar o sistema europeu, o Galileu.
CC: E daí, qual é a diferença? Não captei nada.
CAC: É uma boa medida, porque o Brasil não fica sujeito, primeiro, a alterações de localização. Quer dizer, o GPS é um sistema militar que serve também para o mundo civil; um barco, um avião, um carro podem ter o GPS. Durante várias ocasiões, por exemplo, nas guerras da Bósnia e do Iraque, o Departamento de Defesa simplesmente fechou acesso a civis. Pôs em perigo aeronaves civis, barcos, que tiveram que voltar aos mapas e bússolas.
CC: Fechou o acesso por quê?
CAC: Num caso de conflito, guerra, esses são os olhos na escuridão. Se só você tem acesso, a sua vantagem estratégica é enorme. Você tem olhos num mundo de cegos.
CC: Exemplo: se o Brasil tivesse, hipoteticamente, um desentendimento com os Estados Unidos e o sistema GPS brasileiro fosse o dos Estados Unidos?
CAC: Se o sistema fosse o americano, bastaria fechar o acesso e as suas Forças Armadas ficariam cegas.
CC: Você conheceu o Coaf, o sistema brasileiro de rastrear lavagem de dinheiro, chefiado no governo Fernando Henrique por Adriane Sena?
CAC: Eu mantive boas relações com ela e com alguns dos seus altos subordinados, inclusive prestei treinamento especializado em lavagem de dinheiro a vários membros do Coaf. Agora, ela gostava muito de falar que as leis de lavagem de dinheiro do Brasil, embora copiadas dos Estados Unidos, as superaram.
CC: Isso é verdadeiro?
CAC: É verdade? É. Que vocês têm lei, têm; vocês têm umas leis fantásticas e maravilhosas para combater esse tipo de crime.
CC: E quanto aos resultados?
CAC: Where is the beef, onde está o bife? Essa era sempre a pergunta que eu fazia a Adriane quando ela vinha com essa história da ótima legislação. Que eu saiba, o Brasil nunca recuperou dinheiro ilícito valendo-se do Coaf e suas leis. Só o fez quando eu, do FBI, recuperei o dinheiro do juiz Lalau, e através da nossa legislação, certamente inferior à da Adriane. Várias vezes eu tive de dizer: “Bom, vocês esqueceram do dinheiro”. “Ah, é verdade, vamos buscá-lo”, me respondiam. E levou não sei quanto tempo para o dinheiro ser entregue, e só foi porque eu tive de lembrar, além de fazer todo o trabalho para eles. Imagine que o Lalau quase conseguiu vender o apartamento de US$ 1 milhão em Miami. Não o fez porque eu consegui uma ordem judicial, por minha iniciativa. O caso Banestado foi outro em que eu prestei assistência. Quem instituiu o conceito de força-tarefa, de ação conjunta entre as instituições, foi o FBI, fui eu. Treinei, dei cursos em todo o País a policiais civis, militares, federais, juízes, procuradores, promotores, e muitos deles foram aos Estados Unidos, a treino, com meu orçamento. O órgão que realmente funciona, pelo menos funcionava, é a parte investigativa do INSS.
CC: E por que não conseguem recuperar o dinheiro ilegal fora?
CAC: O Coaf, tecnicamente, é para rastrear os ativos ilícitos, para depois encaminhá-los ao Ministério Público para o processo e a recuperação. Há pouco, o Ministério da Justiça criou o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional. Pelo que vimos e conhecemos, nesses órgãos não se tem, para dizer o mínimo, idéia do que e como fazer esses processos. Até agora não justificaram suas existências. Nos Estados Unidos, quando há escassez de pessoal, o governo costuma contratar empresas privadas para fazer esse tipo de investigação, e dá uma porcentagem, de 10% a 25% do que é rastreado. Vocês, aqui, têm algumas empresas capacitadas a fazer esse trabalho. Por quê não as usam?
CC: Como é com os políticos brasileiros? Vocês os acompanham?
CAC: Sim, sim.
CC: Têm um dossiê de cada um?
CAC: Bom, todas as coisas sobre quem interessa ter, sobre quem tem poder e influência. Isso faz parte dos deveres no estrangeiro, saber quem são as pessoas. Isso é fundamental. Agora, se o Brasil o faz ou não faz, não sei. Deveria fazer por intermédio da suas Agências de Inteligência.
CC: Como eram as suas relações, de chefe do FBI, com políticos, com governadores...
CAC: Conheci vários. Amazonino Mendes (AM), um bom amigo, Esperidião Amin (SC), conheci o Jaime Lerner (PR), entre vários outros. Acho que eles, em relações internacionais, são um pouco ingênuos, à exceção do Amazonino, um homem perspicaz. O Garotinho...
CC: Você conheceu o Garotinho?
CAC: Ele é um bom amigo, um político talentoso. Ele foi o único político brasileiro convidado para a posse do presidente Bush, em janeiro de 2000. Convidado por mim através do então prefeito de Miami, Joe Carollo, ele foi apresentado ao governador Jeb Bush, irmão do presidente, numa noite de nevasca. Estávamos de smoking. Ele esteve comigo no Departamento de Estado, na OEA, e fomos à sede do FBI em Washington...
CC: O Garotinho ficou à vontade?
CAC: Muito à vontade. Recordo-me de que, na sede do FBI, entregou um cartão dele à minha secretária e disse: “Te dou esse cartão para que um dia você possa dizer que conheceu, aqui na sede do FBI, alguém que no futuro seria presidente do Brasil”. Ele é talentoso, mas acho que se precipitou, ainda é muito jovem, não deveria ter disputado a eleição presidencial.
CC: Esse é um mundo de espiões e tem suas regras próprias. O senhor certamente sabe que o “Serviço” não irá gostar do que revelou ao longo desta entrevista...
CAC: É óbvio, é uma organização muito sigilosa. Mas eu não vou revelar informações que não devo, nem técnicas de investigação, equipamentos ou o que está a se fazer numa investigação contra uma ou outra pessoa, outra instituição ou outro país. Isso seria uma coisa que afetaria não só o FBI, mas afetaria a nação americana. Mas o que eu posso falar e devo falar é que a organização está a ir por água abaixo, que estão a fazer coisas erradas, e não a servir a sociedade americana ou ao mundo. Está tudo mal direcionado e eu vou falar...
CC: E se tentarem desacreditá-lo?
CAC: É o que eu espero, pois conheço o Animal há 22 anos, sei como ele é. Vamos aguardar. Essa é uma história que ainda pode ter muitos capítulos, cada vez mais picantes, espetaculares, se assim o desejarem. Fatos que interessem não apenas ao Brasil, mas a toda a comunidade internacional, inclusive ao Congresso americano. Estamos só no início...
CC: E se o senhor for acometido por uma gripe terminal?
CAC: (risos). Se uma gripe terminal me atingir...
CC: Uma gripe súbita, digamos assim.
CAC: Uma gripe súbita, como você diz. Bem, eu também aprendi, com os próprios que me criaram, a me proteger e a enfrentar. Muita coisa que poderia ser exposta já está gravada, escrita, e nas devidas mãos, se alguma coisa me acontecer...
CC: Em caso de uma gripe terminal se saberá por que você teve essa gripe?
CAC: Isso. E muito, muito mais do que nós falamos ou deixamos de falar aqui.
CC: Você tem a intenção de escrever algum material específico sobre os seus 22 anos como agente e chefe do FBI?
CAC: Já produzi uma parte das minhas memórias e isso inclusive está...
CC: Em local não revelado e...
CAC: (risos) Tem que ser assim...
CC: Para o caso da gripe súbita...
CAC: E entregue a pessoas de confiança que saberão o que fazer se acontecer algo fora do normal. Asseguro a você que são fatos que levariam a uma enorme repercussão internacional. Quanto à primeira parte das minhas memórias, já tenho até a idéia de um nome para o livro...
CC: Qual é o nome do livro?
CAC: FBI: o Mito e a Realidade. Vou dar, em detalhes, casos concretos, histórias, etc. O que é, o que não é, como devia ser, o tamanho do desperdício humano e financeiro e como o povo americano também não está a ser bem informado, inclusive, sobre o que verdadeiramente é o FBI.
CC: Os ingleses são os grandes aliados do governo Bush. Em Londres vocês espionam os ingleses, o governo Blair?
CAC: (risos) Bom, eu também não vou comentar isso... no mundo da espionagem tudo é válido, vamos assim dizer, mas não quero falar sobre a espionagem aos ingleses. São informações que não podem ser reveladas.
CC: E esse recente episódio do governo Tony Blair grampeando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan?
CAC: O que me surpreende é que nessa operação os flagrados, os expostos, tenham sido os ingleses...
CC: (risos) ...mas, Carlos, isso é humor tipicamente inglês.
CAC: (Risos. Apenas risos).
CC: Esse assunto sobre espionagem às Nações Unidas estará no livro, em detalhes?
CAC: Bem, você vai ter que aguardar e comprar o livro.
CC: A propósito dessa coisa de grampos e espionagem, qual é o clima hoje em Washington, como estão os direitos civis?
CAC: Há um encolhimento dos direitos civis. Nossa sociedade é cada vez menos democrática. A polícia pode entrar numa casa e fazer buscas sem ter uma autorização judicial ou, melhor, sem ter tanto que explicar os seus motivos a um juiz. Basta a desculpa da Segurança Nacional. Hoje em dia, por exemplo, existem tribunais secretos.
CC: Tribunais secretos?
CAC: Tribunais nos quais agentes-chefes, como eu, em Washington, dentro de uma sala à prova de escutas, grampeamentos, totalmente isolada, uma câmara fechada, totalmente secreta para que nada vaze, para que nada seja aberto ao público, depõe perante um juiz especial num caso qualquer. Com isso, sob a alcunha de Segurança Nacional, terrorismo, consegue-se rapidamente autorização para escutas telefônicas, grampeamentos vários. Chegou-se a um ponto que hoje há mais autorizações secretas nos Estados Unidos do que as normais. Imagine aí o espaço para arbitrariedades, abusos. Os agentes do FBI são grandes literatos, a maioria dos juízes não entende nada e engole qualquer coisa com poucas perguntas, não há um controle disso. Os tais checks and balances, fundamento do nosso sistema democrático, nesse caso foram postos de lado. São poderes de exceção para uma polícia. E afirmo aqui que sob falso motivo eu nunca depus durante a minha carreira no FBI.
CC: Por último, uma questão, digamos assim, pessoal. Qual o significado do verbo sancionar?
CAC: (risos). Sancionar é uma ordem, uma autorização dada pelo governo para exterminar alguém. Para matar...
CC: Terminar subitamente com a vida biológica de outrem.
CAC: O FBI não sanciona! Essa autoridade é dada à CIA. Isso existia desde...
CC: Desde a Segunda Guerra...
CAC: Desde a Segunda Guerra, e existiu até quando o presidente Gerald Ford, pós-Nixon, por Ordem Executiva, proibiu o sancionamento.
CC: Sancionamento, um belo eufemismo. É politicamente correto, não?
CAC: O grande e brilhante presidente Bush autorizou novamente os assassinatos. Na minha opinião, e sei que também na de muitos colegas tanto do FBI como da CIA, é algo bárbaro, contra os princípios mais elementares da humanidade e de uma sociedade democrática, a que se considera a mais moralista e civilizada do mundo. A que se autodenomina a Polícia do Mundo.
CC: Até porque tem sempre alguém que vai ter de determinar o que é ou não um assassinato político, vai decidir sobre a vida ou a morte de um alvo.
CAC: E aí é que é o problema, porque os que para alguns podem ser os inimigos, os terroristas, para outros podem ser os libertadores. Por exemplo: quando os peregrinos ingleses já nos Estados Unidos se revoltaram contra a Coroa inglesa para impor a sua independência, tornar-se um país independente, foram considerados terroristas, ou algo assim, pelos britânicos.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")