Filosofia?

Ciência, Saúde, Economia, Política

Postby Danilo » 18 Jun 2005, 16:04

Estava vendo a origem do "o que não me mata me torna mais forte" e achei o famoso Nietzsche, sobre o qual já muito ouvi falar (pricipalmente nos artigos do Veríssimo), mas na verdade desconheço. Domença, você deve saber sobre isso. O que é essa teoria de super-homem e controle dos impusos de modo criativo?
User avatar
Danilo
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 3230
Joined: 10 Sep 2003, 22:20
Location: São Paulo

Postby mends » 19 Jun 2005, 12:18

controle dos impulsos de modo criativo? Nunca ouvi falar, e olha que li bastante Nietzche, foi meu autor preferido uns dez anos atrás (hoje gosto de Hume, Mill, São Tomás de Aquino e Santo Agostinho). Parece ser uma supersimplificação do Nietzche. Sugiro que leia, mas comece por ECCE HOMO, e não tente ASSIM FALAVA ZARATUSTRA sem conehcer outras coisas. Você não vai entender patavina.
E outra coisa: filosofia não tem nada a ver com respostas. filosofia é o modo mais contundente de fazer as perguntas.

may the force be with you.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby Danilo » 19 Jun 2005, 14:43

Sim, eu vou poder fazer "por quês" muito mais complexos.
User avatar
Danilo
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 3230
Joined: 10 Sep 2003, 22:20
Location: São Paulo

Postby mends » 24 Aug 2005, 12:28

Marilena Chaui: De Senectude

Por Reinaldo Azevedo
A filósofa Marilena Chaui, um verdadeiro emblema do alinhamento de boa parte
dos intelectuais brasileiros com o PT, inventou, vejam vocês, uma nova forma
de engajamento. Trata-se do engajamento do silêncio. Personagem mais loquaz
da academia nos anos 80 e 90, verdadeiro estandarte da propaganda petista
nos meios intelectuais, ela agora descobre — na verdade, já faz algum tempo
— que “o silêncio é um dever”. A primeira e inescapável pergunta que é
preciso fazer a esta senhora é a seguinte: “dever” perante quem? A quem
Marilena Chaui deve o seu silêncio?

A resposta é absurdamente óbvia: a seu partido. Sartre, por exemplo, que
jamais fechou a boca, chegou a dizer certa feita que os crimes do comunismo
deveriam ser escondidos para não tirar as esperanças do proletariado
francês. “Proletariado”, daquele jeito, já nem existe mais. Marilena o que
faz é silenciar sobre os crimes de seu partido porque, suponho, resiste em
admitir o vexame e a fraude que ajudou a construir.

Ela já tem 63 anos. Jovem ainda para o pensamento, mas não muda mais. Na
verdade, continua a ser o que sempre foi: uma prosélita de um certo
socialismo democrático, uma autêntica contradição em termos, que jamais
chocou a filósofa, e, como tal, tudo lhes (aos socialistas) é permitido em
nome da causa. Inclusive silenciar, quando o natural seria falar. E muito.
Quem viu, como eu vi, esta “força da natureza” em assembléias da USP nos
anos 80 não pode admitir agora este seu precoce De Senectude, com laivos de
estoicismo oportunista. Não é possível que só fosse “hora de falar” durante
o governo FHC...

De todos os crimes cometidos pelos petistas, este acaba sendo o pior porque,
entendo, uma filósofa de escola pública é paga pelos cidadãos para pensar
livremente, o que é um luxo, quase um otium cum dignitate, em contraste com
um país pobre como o nosso. O único papel cabível a intelectuais seria
ajudar governos democráticos a pensar políticas públicas que tornassem
melhor a vida dos cidadãos. O negócio de Marilena e amigos é e sempre foi
bem outro: não querem uma universidade alinhada com um pensamento algo
reformista, trabalhando em parceria com a iniciativa privada, para aprimorar
a técnica. Querem-na atrelada a uma utopia regressiva a que chamam ainda
“socialismo”.

E, por isso, não viu nenhum problema em subordinar seu pensamento aos
interesses de um partido, o que, em si, já aponta para a morte do
pensamento, e agora não vê problema em calar-se diante dos descalabros do PT
e comparecer ao debate com uma agendinha quase burocrática. Ah, professora,
muito pouco para a autora de A Questão da Democracia, Conformismo e
Resistência e Cultura e Democracia, dentre outros livros em que parece
empenhada em buscar os lugares da sociedade civil que podem e devem se
organizar contra o Estado autoritário e a sociedade da exclusão — sempre
segundo ela mesma, é claro.

Por que isso tudo? Porque Marilena falou ontem num seminário cujo título
geral é engraçado: “O Silêncio dos Intelectuais”. Trata-se de uma série de
debates sobre o papel dos ditos-cujos nas sociedades contemporâneas. Nada
tinha a ver com um outro silêncio, este de Marilena e da maioria dos seus
pares petistas diante do governo Lula.

Embora, segundo ela mesma, viva o seu dever de “calar”, falou um pouco no
tal seminário. E apontou o que considera os erros (?) do PT. Não sei qual é
a hipótese mais favorável a Marilena: ou é movida por farisaísmo ou está
mesmo se descolando de vez da realidade. Segundo informa a Folha, ela
afirmou que “a primeira ação [do governo] deveria ter sido a reforma
tributária para que houvesse distribuição de renda e o Fome Zero fosse
possível. Mas a primeira reforma feita foi a previdenciária, a que Fernando
Henrique não teve coragem de fazer”.

Até procurei hoje um desmentido de Marilena. Mas ela anda silenciosa,
lembram-se? Raramente li tanta bobagem encadeada em tão poucas linhas. Não
peçam à filósofa e a ninguém que expliquem os nexos causais entre a reforma
tributária, a distribuição de renda e o Fome Zero. Inexistem. Talvez não
ocorra à professora que a reforma tributária só não saiu porque a única
coisa a fazer é diminuir o peso dos tributos que incidem sobre a produção, o
consumo e os serviços.

Ocorre que o primeiro que não pode flertar com uma diminuição da carga é o
próprio governo federal. Ela não se vê tentada a pôr na sua equação a conta
dos juros? Não. Ela não tem a menor idéia do que está falando, eis o ponto.
Quanto à reforma da Previdência, não foi “coragem” que faltou a FHC, mas
apoio. Aquele que Lula e o PT lhe negaram. Depois, as oposições deram o seu
voto em favor das mudanças, ainda que tímidas, já no governo do PT. Acho que
beira o descaramento intelectual não reconhecer a urgência que a reforma
previdenciária tinha e — atenção! — ainda tem, já que o setor continua
quebrado.

Se Marilena lida mal com a realidade, não lida melhor com certos conceitos.
Leiam o que disse a pensadora quando indagada por um dos presentes sobre as
alianças: “Durante anos, o PT foi violentamente criticado por não fazer
alianças, já que um partido moderno tinha de fazer alianças. Aí, ele
fez...”.

Entenderam? Ela acha que foram as más companhias que conspurcaram a pureza
petista. Como seu pensamento vive a fase do silêncio, ela não explica em
que, sei lá, Roberto Jefferson ou Valdemar Costa Neto contribuíram para
piorar Delúbio Soares, Silvio Pereira, José Genoino ou José Dirceu. Quando,
obviamente, todos sabemos que tanto o político do PTB como o do PL são, à
sua maneira (que também não me serve), mais morais do que a camarilha
petista. Afinal, não fizeram a sua carreira se dizendo uns puros. Jefferson,
então, nem se diga: é uma espécie de cultor do realismo cínico.

Marilena revela-se, assim, o mais triste e tardio retrato do mal que o
alinhamento ideológico e partidário pode fazer a um intelectual. A maioria
de nós, no lugar dela, sentiria uma profunda vergonha, um profundo
constrangimento. Ela não sente porque ainda se vê cumprindo uma tarefa. Não
adianta. A filósofa está entre aqueles que se vêem como donos da história,
como a encarnação de uma vanguarda que vai criando as condições para romper
a ordem vigente e instaurar uma outra — ou, melhor ainda: “a” outra. Ela não
critica o PT porque deve considerar que se está vivendo apenas uma daquelas
fases de recuo de toda revolução.

Os leninistas adoram dizer que, às vezes, é preciso recorrer aos
instrumentos da própria burguesia para derrotá-la. Como, para eles, a
burguesia se define pelo “crime”, não vêem mal nenhum em recorrer a práticas
criminosas. Consideram que estão apenas respondendo e se defendendo. Vale
dizer: serão sempre os detentores da virtude, por mais horrores que
pratiquem.

No fim das contas, concordo com Marilena: “Às vezes, o silêncio é um dever”.
Antes ela tivesse continuado de boca fechada.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby mends » 27 Apr 2006, 18:16

belo texto, sobre vocação, suor, e maluquices eco-chatas...Reale é um grande mestre, mas é desprezado no Brasil porque não é esquerdista. É um dos dois únicos intelectuais de "ciências humanas" que realmente é respeitado no exterior, sem ironia (como FHC) ou concessões pra "subdesenvolvidos"...o outro é o Gilberto Freyre.

VARIAÇÕES SOBRE VOCAÇÃO
MIGUEL REALE


É freqüente a alegação de que não se trabalha com afinco e entusiasmo por não estar a atividade exercida em consonância com sua vocação. A bem ver, prevalece a idéia de que, ao nascer, cada ser humano chega para exercer uma profissão determinada, para a qual estaria sendo chamado.

Não há dúvida que a palavra vocação vem do latim vocatio que quer dizer chamado, mas não creio que, na maioria dos casos, haja sintonia entre essa esperança e a forma de trabalho a ser executada.

Seria ótimo se houvesse sempre correspondência entre a natural aptidão de agir e o ofício que nos cabe levar a cabo com dedicação e o devido conhecimento. Para tanto seria necessário que existisse “harmonia pre-estabelecida”, como a traçada por Leibniz para boa ordem do mundo.

Não ignoro que, muitas vezes, existem vocações resultantes de múltiplos fatores, sobretudo em se tratando de vínculos familiares, com filhos, netos e bisnetos seguindo a carreira de seus antepassados, mas a regra é o difícil e acabrunhador desafio com que se defrontam adolescentes e jovens no momento de escolher sua profissão.

A vocação é uma condição psicológica das mais complexas, pois depende de uma série de fatores, a começar da psique individual até as circunstâncias e conjunturas em que ela atua.

Antes, porém, de tratar desse tema, é necessário reconhecer que, efetivamente, há uma infinidade de vocações condicionadoras de nossa forma de agir. Nessa ordem de idéias tenho afirmado que, assim como há um DNA identificador de nossa individualidade biológica, há também uma inclinação valorativa no ser pessoal de cada um de nós, que poderíamos denominar cifra axiológica. De certo modo, se nasceria para ser sacerdote, cientista, artista, etc.

Isto quer dizer que alguns são naturalmente atraídos por determinado valor, que vai do sacro ao profano, e, nesta categoria, com inúmeros sentidos de vida, desde a preferência por ações dependentes de educação superior até as que exigem apenas o ensino fundamental.

Por outro lado, há fatores físicos que determinam, de antemão a atividade profissional, como se dá na área do atletismo, culminando na formação dos melhores pugilistas, cestinhas, jogadores de futebol, etc. Todavia, sem talento não há atleta excelente, sendo a conjugação pscio-física condição essencial do êxito, máxime nas competições de conjunto.

Feitos esses reparos, é indispensável salientar que a vocação é um dom que exige preparo e educação. No mundo não se recebe nada de graça, sem estudo e dedicação.

Nesse sentido, cabe advertir que é dever dos pais orientar os filhos, tão logo percebam neles capacidade de realizar-se nesta ou naquela outra esfera de conhecimento e de ação. O mesmo se diga dos mestres responsáveis, muitas vezes causa determinante dos grandes triunfos de seus discípulos. Não creio possa haver maior mérito no magistério do que esse de saber descobrir a vocação dos jovens, preparando-os para se realizarem de maneira excepcional.

Múltiplos são os motivos determinantes das vocações. No meu caso pessoal, tudo indicava que seria o sexto médico da família, sendo esse o desejo de meu pai, mas uma visita oportuna a um hospital me fez ver que esse não era o meu caminho, pesando também em minha escolha a imagem que formara da Faculdade de Direito do largo de São Francisco, em 1930 ainda estabelecimento federal, fundado por Don Pedro I, em 1827, para o estudo de Jurisprudência, mas que, na realidade, se convertera em centro de cultura humanista, dada a inexistência de institutos de Filosofia ou de Letras. Talvez tenha sido essa a razão principal de minha preferência, seduzido que estava pelas figuras de Alvares de Azevedo e Castro Alves, mais do que pelas dos juristas...

Como se vê, há algo de mistérioso na escolha de uma profissão, mas o essencial é que, feita opção por uma via, nela devemos concentrar as forças do sentimento, da inteligência e da vontade. Como acontece na realização de todos os valores que se tornam fins existenciais, há que construir o seu caminho com amor e aturado estudo.

Ademais, mesmo quando se dá preferência por um rumo de vida sem anterior atração especial, esta nasce e se fortalece com a dedicação e a perseverança. Múltiplos são os exemplos dessa identificação ética e “simpatética” – para empregarmos uma expressão de Adam Smith – constituída a posteriori, no exercício profissional.

Tudo, em suma, deve ser feito pela excelência de uma profissão, evitando-se, no entanto, de tornar-se dela escravo, com suas exigências prevalecendo sobre os infinitos valores culturais que dignificam a existência humana.

Há pessoas que se trancam no círculo de ferro de seu mister quotidiano, iludindo-se de estar se realizando plenamente, quando, a bem ver, se esquecem de que é a visão geral e unitária dos problemas que nos permite perceber as peculiaridades do trabalho particular que nos ocupa.

A vida humana, meu caro leitor, é uma seqüência de balanceamento de valores, o qual vai formando o que denomino “invariantes axiológicas”, ou seja, constantes valorativas que parecem inatas, mas que, em última análise, são o fruto da experiência histórica.

O “valor ecológico”, a mais recente das “invariantes axiológicas”, é dos mais relevantes, mas deve se subordinar às necessidades essenciais da pessoa humana, pois é em razão desta que se protege o meio-ambiente e não em si e por si mesmo.

Refiro-me a tal fato porque me preocupa a existência de membros do Ministério Público que, cedendo a uma desorientação profissional, sacrificam, não raro, valores existenciais a pretexto de estarem defendendo a natureza.

02/08/2003
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby mends » 04 May 2006, 11:01

Princípios
Por Reinaldo Azevedo
“Se Deus não existisse, seria preciso inventá-lo”, disse Voltaire, ao que respondeu Bakunin: “Se Deus existisse, seria preciso aboli-lo”. Entre uma frase e outra, está Dostoiévski em Os Irmãos Karamazov: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Vejam que, em qualquer dos casos, se trata de lidar com uma idéia de limite. No primeiro caso, um iluminista, preso aos valores da razão, vê motivos bastantes para temer a besta que há em todos nós.

Não vou aqui entrar na especulação, em voz alta, sobre se creio ou não em Deus; se sou ou não católico. Contentem-se com a afirmação de que prefiro uma sociedade em que os valores cristãos tenham fincado raízes porque aprecio os princípios que eles congregam.

A frase de Bakunin é apenas uma estupidez inserida num conjunto de bobagens. Imaginem que força seria necessária para abolir um Deus que se soubesse existente. O cretino não percebeu que, na ânsia de negar Deus, aceitou fazer um pacto com o demônio, ainda que simbólico. Dostoiévski já é coisa seriíssima e, bem pensado, há ali uma variação moral do que Voltaire percebeu, quero crer, como um imperativo ético: sem Ele, até onde é possível chegar?

A religião é um dos discursos que organizam o conhecimento e o comportamento coletivo. Nas democracias — e não deve ser por acaso que a esmagadora maioria dos países democráticos seja também cristã —, faculta-se a cada homem o direito de escolher ou não viver segundo os princípios de uma fé. O cristianismo de tal sorte se transformou numa cultura, que boa parte de sua doutrina é nada além de regras da boa convivência civil e cidadã.

Os dogmas, seu núcleo que se pretende imutável (ou que muda muito lentamente ao longo da história), não dividem ninguém. Suas prescrições para a vida prática, as não-dogmáticas, estão afeitas às questões de consciência, da moral individual. A Igreja Católica recomenda, por exemplo, que não se peque contra a castidade, mas não há Estado para impor penas a quem o fizer. Antes disso ainda: não há Estado que obrigue alguém a abraçar a religião. Também ensina essa Igreja o amor ao próximo como o primeiro dever de um cristão e a irmandade dos homens em Cristo, a fonte de onde emana a fraternidade e, pois, a igualdade. No Estado leigo, tal primado assume a feição das leis impessoais.

Curioso, leitor: sentei nesta cadeira e comecei a teclar para expressar, ainda outra vez, o meu espanto com as resoluções dos petistas em seu encontro do fim de semana. Minha idéia era até banal. A partir da frase de Os Irmãos Karamazov, fazer uma glosa; algo como: “Se o princípio não existe, então tudo é permitido”. E senti vontade de escrever um pouco sobre valores religiosos, princípios éticos, princípios morais. É claro que Lula e aqueles que o procurador-geral da República chama de “grupo criminoso para assaltar o Estado” não têm nenhuma noção de “certo” e de “errado” fora das necessidades objetivas de seu partido e do projeto de poder que está em curso.

A desenvoltura de José Dirceu no encontro, as mesuras de que foi objeto, a decisão de adiar qualquer investigação sobre o mensalão — que, garantiu-se ali, não existiu — remetem à ausência de quaisquer valores que possam ser confundidos com uma doutrina, um jeito de encarar a sociedade, um projeto de futuro. De certo modo, estamos lidando com algo ainda mais fantasmagórico do que, vá lá, um partido comunista. Entendam: estamos, no terreno político, mais ou menos como estaríamos no terreno moral se, de fato, constatássemos, coletivamente e como uma verdade ativa, que Deus não existe.

Talvez ainda me explique mal: há muitos agnósticos que substituíram a idéia do divino por um conjunto de valores que idealizam — e, de certo modo, divinizam — o homem, uma idéia muito próxima do próprio cristianismo, para o qual o corpo é inviolável porque morada do espírito. E, é claro, tais pessoas concorrem para um mundo civilizado. Indago-me o que seria de uma sociedade que massificasse a convicção da inexistência de uma vida espiritual, de uma metafísica qualquer. Duvido que alguém quisesse, mesmo os ateus militantes, viver nesse mundo.

Assim, caro leitor, quem não age segundo um conjunto de valores e elege as circunstâncias como seu único deus, seu único norte ético, seu único pressuposto moral, está pronto para fazer qualquer coisa, para praticar e justificar qualquer crime. Um dia, quando o PT não estiver mais por aí a turvar todos os debates que interessam, talvez voltemos a conversar sobre assuntos, de fato, relevantes.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby junior » 04 May 2006, 13:01

Um dia, quando o PT não estiver mais por aí a turvar todos os debates que interessam, talvez voltemos a conversar sobre assuntos, de fato, relevantes.


Final do dia por aqui e nós, que não temos o que discutir, discutimos aqui sobre os "assuntos, de fato, relevantes"

A religião é um dos discursos que organizam o conhecimento


???

Os dogmas, seu núcleo que se pretende imutável (ou que muda muito lentamente ao longo da história), não dividem ninguém. Suas prescrições para a vida prática, as não-dogmáticas, estão afeitas às questões de consciência, da moral individual. A Igreja Católica recomenda, por exemplo, que não se peque contra a castidade, mas não há Estado para impor penas a quem o fizer. Antes disso ainda: não há Estado que obrigue alguém a abraçar a religião.


Sim, podemos perguntar pros n manos queimados na Inquisição, pros n indíos para os quais a religião foi "ensinada" por pessoas boas como os jesuítas, o que eles acham da democracia religiosa...

Também ensina essa Igreja o amor ao próximo como o primeiro dever de um cristão e a irmandade dos homens em Cristo, a fonte de onde emana a fraternidade e, pois, a igualdade. No Estado leigo, tal primado assume a feição das leis impessoais.


Leis impessoais?? Não entendo a "frase bonita" que diz pouco...

De qualquer forma, aproveitando o gancho, curiosidade histórica: não entendo muito a associação da direita com os "valores cristãos". E´ uma espécie de rebote do fato que o socialismo era leigo/ateísta??
"Cosmologists are often in error, but never in doubt." - Lev Landau
User avatar
junior
Grão-Mestre Saidero
Grão-Mestre Saidero
 
Posts: 887
Joined: 13 Feb 2004, 11:55
Location: Sei lá... Em algum lugar com conexão a internet! :-)

Postby mends » 04 May 2006, 17:10

acredito que qualquer discussão aqui deva ter vários níveis, mas vamos desenvolvendo pra ver onde a gente chega.

Primeiro: não sou católico nem concordo com uma suposta "superioridade moral" do cristianismo. Em se tratando de "vida prática", acho o Judaísmo bem mais atraente e bem menos "esquizofrênico", ie, não há o Deus único que é três, não se come seu Deus ect etc. Mesmo "historicamente" falando, não no sentido arqueológico, mas no sentido de história das idéias, o cristianismo, até onde consigo conceber, é um emaranhado de religiões orientais com alguns preceitos de acetas judaicos - e essa é uma discussão loooooga pra dedéu.

podemos perguntar pros n manos queimados na Inquisição, pros n indíos para os quais a religião foi "ensinada"


isso me irrita um pouco, essa postura de que temos que pedir desculpas pela história. os índios não eram civilizados, ponto. e não, a cultura deles não é tão importante quanto a européia, ponto.
quanto à inquisição: ela é um absurdo julgada à partir das nossas visões, assim como a catequeze dos índios, assim como a escravidão. mas os "direitos do Homem" que fundamentam todas essas críticas são "invenção" recente, e não são universais. portanto são dados. e tem mais: muitos absurdos são cometidos em nome da doutrina dos "direitos inalienáveis": como são aceitos quase que por consenso, eles hoje comandam uma estrutura "política" (entre aspas porque não submetida ao poder do Povo, um kratos - poder - sem demos - povo) que é arbitrária e fascista, que é a amada UNIÃO EUROPÉIA, um governo de comitês e comissões de bur®cratas e tecnocratas, infleizmente na maioria franceses ou francófilos. e de tão despolitizado o povo, de tão fora das esferas do Poder, a UE é incapaz de discutir se aceita ou não a Turquia na Comunidade, um país muçulmano que não partilha da tradição européia comum. A UE é um absurdo. é o governo Mundial, é um perigo, e é idolatrada. Como então julgar atos derivados de valores que não nos são compreensíveis?

Quanto a organizar conhecimento, eu concordo. Se vc for descrever conhecimento como um todo, temos que ele é formado basicamente de conteúdo moral e prático, não no sentido de aplicável, mas no sentido de relações com a "realidade" natural (sem entrar com esquisitices da linha MATRIX e deserto do real aqui, por favor, se não nega-se tudo e não há discussão :lol: ) .
Voltando: o conhecimento, desde a Grécia, engloba "mandamentos" como honrar pai e mãe, respeitar estrangeiros, regras morais que influenciam e organizam sim a forma como você vê e interage com o mundo. A religião, como fornecedora primária desse tipo de regra, tem esse papel. E a cumpre bem. Voltaire, que foi um dos maiores panfletistas ateus da História, dizia que "se Deus não exisitisse, precisaria ser inventado", pois ele se entia "mais seguro ao saber que meu alfaiate, meus empregados e até minha mulher temem a algum tipo de castigo..."
Pois então: vc educa o Homem sempre por meio da criação de um tipo ideal intimamente concreto e claramente definido (senão, não tem sentido organizar conhecimento, "o que tenho que saber?). Então, essa formação não é possível sem que se ofereça ao Homem uma imagem do Homem tal como ele deve ser. Veja que o corolário desse raciocínio é que a educação não precisa ter utilidade, ela não é essencial, pois se trata da preparação pro ideal, e dá margem ao surgimento da Ciência. O fundamental na educação é o que os gregos chamvam de kálon, a beleza no sentido normativo, da imagem desejada. E vai negar que a religião forneça o Ideal humano?

O Estado laico só é possível quando se estabelece para o Estado o papel de "sagrado" (no sentido de definir regras sociais) que era da Igreja. Sobre a transferência de valores cristãos para leis impessoais: se todos os homens são iguais em Cristo, o "substituto" de Cristo deveria tratar os manos impessoalmente, iguais no Estado. É o ponto do cara, ele é cristão. Eu não sou, acho que a individualidade judaica explica muito mais a democracia e o capitalismo que a ética cristã.

sobre a sua curiosidade: nunca pensei nisso assim, abraçar o cristianismo em resposta ao ateísmo socialista. o que sei é que o socialismo é impossível com religião, qualquer que seja, simplesmente porque o socialismo é AMORAL, mas altamente ÉTICO (ética diz como se relacionar com o coletivo, de acordo com o aceito coletivamente para aquele dado momento. moral, como se relacionar com o coletivo reportando-se a invariantes axiológicas, valores mais ou menos "imutáveis"). o capitalismo, por outro lado, deve ser altamente MORAL, se não não funciona, ainda que possa ser AÉTICO. portanto, fontes de invariantes axiológicas são importantes na estruturação do pensamento de um cara que acredite na liberdade individual.

voltando ao cristianismo: dando de barato o "revisionismo" a favor dos índios e hereges, a Igreja manteve a Europa unida. Só existe europa porque existiu Igreja e ela foi o que foi. E a Europa está dando as costas a isso, endeusando o Homem, e vai acabar por aprisioná-lo.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby junior » 05 May 2006, 10:18

isso me irrita um pouco, essa postura de que temos que pedir desculpas pela história. os índios não eram civilizados, ponto. e não, a cultura deles não é tão importante quanto a européia, ponto.

Daí a impôr sua cultura/religião tem um salto...

quanto à inquisição: ela é um absurdo julgada à partir das nossas visões, assim como a catequeze dos índios, assim como a escravidão. mas os "direitos do Homem" que fundamentam todas essas críticas são "invenção" recente, e não são universais. portanto são dados. e tem mais: muitos absurdos são cometidos em nome da doutrina dos "direitos inalienáveis": ... Como então julgar atos derivados de valores que não nos são compreensíveis?

Independente de qualquer coisa, isso não vai contra o meu ponto, que era mais simples: dizer que "A Igreja Católica recomenda, por exemplo, que não se peque contra a castidade, mas não há Estado para impor penas a quem o fizer. Antes disso ainda: não há Estado que obrigue alguém a abraçar a religião." é verdade hoje em dia, mas não era antes! Obviamente os países cristãos andam mais avançados que os muçulmanos, onde escolher sua religião ainda é crime... Mas me parece muito mais uma questão de "timing" que de característica do cristianismo vs muslims...

Acho, por falar em religiões e política, que existe uma coisa ruim na religião nesse sentido: não ensinar o sujeito a pensar, mas sim a aceitar verdades universais, que como já discutimos aqui, são no mínimo complicadas de definir! Aceitar tudo o que é passado sem questionar é uma certa forma de, voilá, fascismo, não?

PS: Resposta ao resto do post em breve, pois tenho aula agora :whip:
"Cosmologists are often in error, but never in doubt." - Lev Landau
User avatar
junior
Grão-Mestre Saidero
Grão-Mestre Saidero
 
Posts: 887
Joined: 13 Feb 2004, 11:55
Location: Sei lá... Em algum lugar com conexão a internet! :-)

Postby mends » 05 May 2006, 11:45

um pouco mais de lenha...

Autor conta a história dos livros proibidos pelo Vaticano

RODRIGO ZULETA
da Efe, em Berlim

O historiador alemão Hubert Wolf, especialista em assuntos eclesiásticos, publicou recentemente um livro no qual aborda a história dos livros proibidos pelo Vaticano e tenta relembrar as discussões anteriores à sua censura.

O livro, intitulado "Index, Der Vatikan Und Die Verbotene Bücher" ("Índice, o Vaticano e os Livros Proibidos") constata que a censura eclesiástica se tornou uma instituição em 1571 e que intensificou seus trabalhos nos séculos seguintes, como reação à reforma protestante e ao Iluminismo.

No século 19, quando a censura do Estado desapareceu paulatinamente na Europa e a censura religiosa deixou de ser praticada no mundo protestante, o índice se manteve e só foi abolido em 1966, sob o pontificado de Paulo 6º.

Segundo Wolf, a decisão de quais títulos iriam para a relação de livros proibidos dependia, em boa parte, do censor do turno. Alguns se mostravam radicais e inflexíveis e viam atentados contra a fé em todas as partes, enquanto outros preferiam ser cuidadosos para evitar problemas com proibições de títulos que não se desviavam das crenças católicas.

Assim, por exemplo, "A Cabana do Pai Tomás", célebre novela antiescravista da autora metodista Harriet Beecher Stowe, não chegou a entrar no índice, apesar de ter sido denunciada pela censura.

A ausência desta novela do índice dos livros proibidos é fruto, segundo Wolf, dos esforços de um censor para demonstrar que a obra não era um manifesto revolucionário, mas se apoiava na convicção católica da igualdade das raças humanas. Além disso, o livro mostra como as conseqüências de uma aparição no índice variavam de acordo com o tipo de autor que fosse avaliado.

Enquanto para um teólogo que tinha pretensões de seguir uma carreira universitária a aparição de uma obra sua no índice poderia decretar o fim de sua carreira, outro tipo de autor reagia com indiferença e sarcasmo.

Foi o caso do historiador Ferdinand Gregorovius, autor de uma história da Roma na Idade Média que ficou famosa. Ele disse, em 1874, que o papa estava fazendo boa divulgação de sua obra.

Normalmente, as obras escritas em idiomas latinos corriam maior perigo ou tinham maiores possibilidades de entrar para o índice. O poeta Heinrich Heine e o historiador Leopold von Ranke foram alvo dos censores por causa das traduções francesas de suas obras. O teólogo Karl Rahner se opôs à tradução para o francês de seus livros para evitar problemas com o Vaticano.

"Madame Bovary"

Ao longo dos séculos, cerca de 8.000 publicações foram incluídas no índice, entre elas "Madame Bovary", de Gustav Flaubert, "O Segundo Sexo", de Simone de Beavoir, romances de Honoré de Balzac e obras de filósofos como René Descartes, Emanuel Kant ou Blaise Pascal.

Charles Darwin, por outro lado, não está na relação, o que acontece com uma série de católicos darwinistas como John Zahm, com sua obra "Evolução e Dogma".

O livro de Wolf trata de nove casos exemplares de autores condenados como Heine, Ranke e o teólogo Augustin Theiner, e nove absolvidos, entre eles Beecher Stowe.

Um fato interessante do livro é que, pela primeira vez, graças à abertura dos arquivos da Inquisição e da Congregação do Índice de Livros Proibidos, em 1998, existem detalhes sobre os processos e sua lógica interna.

Antes, segundo Wolf, os historiadores só podiam pesquisar sobre a história dos autores censurados, pois pouco se sabia dos censores, já que os documentos sobre os processos estavam trancados.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby Danilo » 06 May 2006, 00:24

acredito que qualquer discussão aqui deva ter vários níveis, mas vamos desenvolvendo pra ver onde a gente chega.
Já eu acredito que estar em qualquer discussão aqui deve-se ter muita paciência e um bom tempo livre... :D

os índios não eram civilizados, ponto. e não, a cultura deles não é tão importante quanto a européia, ponto.
Peraí, a comparação entre importância de culturas é meio estranha. Relacionar 'importância' com 'adequação à complexas estruturas populacionais' e 'estado da arte científico' até colocaria a cultura européia como mais importante que a indígena. Mas realmente daí pra aculturar os outros é um salto. Prepare-se pra se sentir na pele deles na viagem a seguir... :wacko:
Imagine que algum país do Oriente, doravante denominado X, descubra algo revolucionário, que anulasse todo poderio militar do Ocidente, e de quebra os tornasse independentes de fontes de engeria atualmente conhecidas, mas que por alguma razão os incentivassem a fincar bandeiras pelo mundo todo. Algo como controlar o giro do planeta, mas que pra isso fosse necessário criar mega-bases em vários pontos do planeta. Daí esse país invade e destroi Los Angeles, Santiago do Chile, Roma, mais umas ilhas no Atlântico... E o país X resolve que o capitalismo não é legal em lugar nenhum do mundo. E o monoteísmo deixa de ser permitido. E pra piorar também proíbem todas as bebidas alcóolicas fermentadas, toda forma de contracepção de crianças, e também todo esporte com mais de 3 jogadores em cada time. Isso mesmo, vão impondo o chatíssimo sistema de vida deles. Como é que fica? :unsure:

Só existe europa porque existiu Igreja e ela foi o que foi. E a Europa está dando as costas a isso, endeusando o Homem, e vai acabar por aprisioná-lo.
Mas isso é cíclico na história, não? Uma época a moda é ser racional e antropocentrista, outra época é moda ser doidinho e teocentrista...
User avatar
Danilo
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 3230
Joined: 10 Sep 2003, 22:20
Location: São Paulo

Postby junior » 08 May 2006, 07:06

Respondendo a metade que faltou...

O Estado laico só é possível quando se estabelece para o Estado o papel de "sagrado" (no sentido de definir regras sociais) que era da Igreja. Sobre a transferência de valores cristãos para leis impessoais: se todos os homens são iguais em Cristo, o "substituto" de Cristo deveria tratar os manos impessoalmente, iguais no Estado. É o ponto do cara, ele é cristão. Eu não sou, acho que a individualidade judaica explica muito mais a democracia e o capitalismo que a ética cristã.


Ok, mas em principio isso funciona para todas as religiões...

portanto, fontes de invariantes axiológicas são importantes na estruturação do pensamento de um cara que acredite na liberdade individual.

Concordo, mas tenho uma curiosidade ignorante: mas no capitalismo (note que chamo de capitalismo o que os "imperialistas nos impõem, etc, FORA FHC" :lol: :lol: ) não vale a máxima "vc que se foda, contanto que eu ganhe o meu $$"? Aonde entram as invariantes ideológicas?

voltando ao cristianismo: dando de barato o "revisionismo" a favor dos índios e hereges, a Igreja manteve a Europa unida. Só existe europa porque existiu Igreja e ela foi o que foi. E a Europa está dando as costas a isso, endeusando o Homem, e vai acabar por aprisioná-lo.

não sei se foi a igreja quem manteve a Europa "unida". Aliás, unida em que sentido?? E como está dando as costas para isso?? Por incrível que parecca, o povo aqui é também bastante conservador, pelo menos nos países latinos... Tendo a pensar que a Europa (e nenhum Estado) realmente precisa da religião para que as coisas funcionem... Mas posso estar completamente equivocado
;) :P
"Cosmologists are often in error, but never in doubt." - Lev Landau
User avatar
junior
Grão-Mestre Saidero
Grão-Mestre Saidero
 
Posts: 887
Joined: 13 Feb 2004, 11:55
Location: Sei lá... Em algum lugar com conexão a internet! :-)

Postby mends » 08 May 2006, 10:32

Danilo:
comparação entre importância de culturas é meio estranha. Relacionar 'importância' com 'adequação à complexas estruturas populacionais' e 'estado da arte científico' até colocaria a cultura européia como mais importante que a indígena.


vamos deixar o politicamente correto de lado: me diga UMA contribuição dos povos indígenas à civiliação que não seja o chocolate e outras comidas. Não há um Shakespeare entre os índios, mesmo porque não há um Homero...não há cultura propriamente dita, não há referenciais, há apenas tradição oral e rituais. Há, em qualquer civilização indígena, a completa submissão à natureza. O Homem tal como é, civilizado, é invenção grega, chinesa, persa. Não indígena.

Mas não se preocupe, que estamos virando índios de novo, nesse sentido, principalmente aqui no Bananão. Vivemos o momento, num hedonismo sem fim, tal qual os tupis, que não conseguiam nem plantar, pois comiam as sementes. Um povo tão atrasado que não tem a percepção dos trade offs temporais não pode ser ideal de vida nem ser considerado civilizado por ninguém...além disso, também estamos perdendo nossas referências culturais ocidentais. Me diga quem lê Homero, Platão, Sêneca, Aristóteles, Sócrates, São Tomás Aquino...Ilíada=>Odisséia=>Eneida=>Shakespeare + Camões, toda grande obra de nosso pensamento :cool: , mas hoje em dia, qualuqer garoto de quinze anos que for ler a Ilíada, devotando um mês de tardes para isso, como eu fazia, é tachado de maluco.

E não precisa ser "culto" não...pega QUALQUER desenho animado, pra ficar nos desenhos animados...com poucas excessões, todos são A ODISSÉIA. Rei Leão é HAMLET, com a excessão da Sarabi, a mãe do Simba, não se casar com o Scar, o tio. Como vc constrói uma rede de referências que te permite, no limite, pensar de maneira consistente, se vc não lê, não adquire um MÍNIMO de cultura? Ísso leva a moçada a gostar de funk, não pela "transgressão estética" que vemos por aqui - gostar porque é um lixo - mas por achar que é a "voz dos excluídos"; leva ao "analfabetês", o ixcrever aXim da internet. Quem não tem domínio da linguagem não consegue estruturar o pensamento e fica a mercê da novilíngua, como temos agora o país à mercê da "novilingua" petista, as negativas que nada negam. Ficamos à mercê da dominação. ´

Voltando; os índígenas nunca teriam ferramental para não ser aculturados. Aculturação não pe uma "conspiração de senhores". É, por outra, a "maldição do homem branco", o dever do Império: a civilização que consegue maior ferramental para abstrair-se da dominação da natureza tem a responsabilidade de "guiar o mundo" sim. Roma era isso, Alexandre antes de Roma era isso. Xerxes perdeu, e a Pérsia não conseguiu ser a luz do mundo, os chineses não conseguiram por problemas estruturais, pois sempre foram uma civilização centralizada demais. Depois deles, temos Portugal, Espanha, Inglaterra, França (sempre morrendo de vergonha) e agora, os EUA.

Como é que fica?


Não é uma guerra, é uma substituição benéfica. É benéfico ao homem ser "aculturado". Ele se desprende do domínio da Natureza e consegue exercer sua Liberdade, ser Homem.

E a última paulada no relativismo: SE a cultura indígena não é inferior à "européia", não deve ser protegida nem os índios tutelados. Por que os relativistas defendem, no undo inteiro, a tutela indígena? É a esquizofrenia da esquerda...

Aculturação já! Índio tem que ir pra escola, ganhar dinheiro, ser presidente do Brasil. Não ser explorado por um lado e explorador por outro, como agora.

Mas isso é cíclico na história, não? Uma época a moda é ser racional e antropocentrista, outra época é moda ser doidinho e teocentrista...



Quando você fala "cíclico", vc comete dois erros: o primeiro é da imagem, pois o ciclo pressupõe uma volta ao ponto de partida, o que não é verdade. Depois, incorre no erro "IDADE MÉDIA=> IDADE DAS TREVAS". Se fosse assim, não teríamos as belíssimas catedrais que temos na Europa, não teríamos São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, só pra citar os dois maiores filósofos do período, excepcionais até pra quem não é católico, como eu. Fora o desenvolvimento do capitalismo, já na ALta Idade Média, a tolerância de Veneza com os judeus, a tolerância com o homossexualismo. Nem a história que "pensavam que a terra era plana" é verdadeira, pois já na Universidade de Lisboa há globos terrestres datados de 1300,1400...

Depois respondo o do Jr...
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby mends » 08 May 2006, 11:05

pro Jr:

mas em principio isso funciona para todas as religiões...


Não. O Estado Islâmico nunca conseguiria fazer essa transição, porque o Islamismo é pensado desde o princípio como domínio do Estado. Funciona melhor para o Judaísmo que para o Cristianismo inclusive, entre outros motivos mais profundos, porque o rabino não é um intermediário para com Deus, mas um guia para conhecimento prático, para direcionamento moral no dia-a-dia, um verdadeiro Sábio.

mas no capitalismo (note que chamo de capitalismo o que os "imperialistas nos impõem, etc, FORA FHC"   ) não vale a máxima "vc que se foda, contanto que eu ganhe o meu $$"? Aonde entram as invariantes ideológicas?


Nunca no capitalismo vale "você que sefoda". "Você que se foda" é fruto de nossos tempos (O tempora, O Mores :lol: ), e muito fruto do chamado "Capitalismo de Estado", que é muito mais socialismo que Capitalismo (Hayek chama o Capitalismo de Estado de Caminho para a Servidão), pois, se o Estado tutel nossa vida, começando pela economia, minhas ações se restringem a uma esfera que só dizem respeito a mim mesmo, e "vc que se foda". John Locke é um dos maiores teóricos do capitalismo, e um ardente defensor da moral, da responsabilidade, da ajuda ao próximo. A moral é uma invariante axiológica aqui. E mesmo no "capitalismo de Estado", deve ser respeitado, pelo menos, o Estado de Direito, que é derivado de pelo menos três invariantes, AÇÃO=>COSTUMES=>NORMA, a Teoria Tridimensional do Direito do Miguel Reale.

E só um comentário: infelizmente, os "imperialistas" não conseguem nos impôr nada. Sofremos imposição da "esquerda festiva" e "maluca" descendente de maio de 68. Infelizmente, somos mais franceses que ingleses. Tanto que nossa concepção de democracia é francesa, a "ditadura da maioria", e não anglo-saxã, o "Governo da Lei". É óbvio que, no segundo tipo, há mais "graus de liberdade".

não sei se foi a igreja quem manteve a Europa "unida".


vc tinha uma Europa "aculturada" pelos romanos, em grande parte, e essa aculturação, essa criação de valores comuns (unida nesse sentido) só aumentou com a Igreja, com a pequena separação da Reforma de Martin Luther.

E como está dando as costas para isso??


Está dando as costas aos seus valores. Como vc disse, o povo é conservador, e cristão em sua maioria. Mas as estruturas de governo são impermeáveis a esses valores (não devem ser controlados ou submetidos a eles, mas como uma estrutura humana é impermeável ao que é inerentemente humano?). É o Poder dos burocratas, o Poder baseado no Poder, "impessoal" até o momento em que ser burocrata seja a única forma de sobreviver - como já vem acontecendo na França. Então, vc estará totalmente submetido ao Poder. Estará dominado. Kratos sem Demos.

Aliás, não é por outro motivo que o socialismo é ateu e "cientificista". Ambos os valores são bases da dominação do Estado. Mas, como esquizofrenia pouca é bobagem, ciência de verdade precisa de ambientes abertos de discussão livre, tudo o que o socialismo não é.

Não se ofenda, mas eu acredito que declarar-se ateu, apesar de parecer à primeira vista uma declaração de liberdade - liberar-se "daquilo que inventamos para suportar a noite", as trevas - é uma declaração de "auto-sufciência" que legitima a dominação do Homem pelo Homem. Certamewnte não precisamos de MISTICISMO. Mas precisamos de Valores, de Crença, Esperança, Amor, Humildade. Chame isso de Deus, e vc não pode mais declarar-se ateu. Eu prefiro agnóstico: acreditar nos valores, mas não no misticismo.

Tendo a pensar que a Europa (e nenhum Estado) realmente precisa da religião para que as coisas funcionem...


Como eu disse: não precisa estar submetido, senão vc tem cidadãos que fazem parte desse estado e não são "representados". Mas não pode ser impermeável.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."

Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")
User avatar
mends
Saidero MegaGoldMember
Saidero	MegaGoldMember
 
Posts: 5183
Joined: 15 Sep 2003, 18:45
Location: por aí

Postby junior » 08 May 2006, 13:49

Depois respondo com calma :-) Só uma coisa:

Não se ofenda, mas eu acredito que declarar-se ateu, apesar de parecer à primeira vista uma declaração de liberdade - liberar-se "daquilo que inventamos para suportar a noite", as trevas - é uma declaração de "auto-sufciência"

Quem se declarou ateu aqui??
"Cosmologists are often in error, but never in doubt." - Lev Landau
User avatar
junior
Grão-Mestre Saidero
Grão-Mestre Saidero
 
Posts: 887
Joined: 13 Feb 2004, 11:55
Location: Sei lá... Em algum lugar com conexão a internet! :-)

Next

Return to Papo Sério

Who is online

Users browsing this forum: No registered users and 0 guests

cron