Perdoa dom Tomás, Pai, porque ele sabe o que diz
Por Rui Nogueira
Eis no que deu a união de um bispo roto, dom Tomás Balduíno, com um movimento esfarrapado, o MST. Aproveitando o lançamento do relatório Conflitos no Campo — Brasil 2005, da Comissão Pastoral da Terra, dom Tomás, conselheiro da CPT, exibiu por inteiro, nesta terça, a fantasia regressiva dos sem-terra e seu aliados.
À primeira vista, o bispo parece ter despejado apenas uma penca de disparates em praça pública, à moda de quem faz um desabafo tolo e não diz coisa com coisa. Mas não é nada disso. Dom Tomás foi curto, foi grosso e sabe muito bem o que diz. O bispo é parte arrogante e ignorante de uma cadeia de impunidade que atenta contra a democracia e o Estado de Direito e se alimenta da leniência do governo Lula para defender uma causa tão influente quanto inexistente. Foge do debate real impingindo uma culpa fictícia aos setores que criticam as estripulias ideológicas do MST, dizendo que esses setores estão querendo “criminalizar os movimento sociais”.
Ladainha
O conjunto da obra, exposta nesta terça, resume-se assim:
• dom Tomás Balduíno teme a candidatura tucana de Geraldo Alckmin porque seria a “volta da direita ao poder”;
• dom Tomás acha que a empresa Aracruz deve “calar a boca” porque “não tem autoridade moral” para se defender das invasões selvagens de suas terras e laboratórios;
• acha o bispo também que o negócio da Aracruz, a indústria de celulose, é responsável “por anos de violência” e por “secar nascentes”;
• na visão de dom Tomás, o MST não é um movimento que possamos “canonizar”, mas é “a grande força patriótica do país”;
• o relatório da CPT diz que os conflitos agrários e o número de mortos no campo aumentaram no governo Lula;
• diz ainda que aumentou de 10 mil para 16 mil o número de pessoas “assentadas” pelo MST, digamos assim, em ocupações;
• por fim, para explicar o desalento do relatório da CPT, dom Tomás dá uma explicação sobre o que estaria acontecendo no país: o governo Lula era a promessa da execução da verdadeira reforma agrária, mas não cumpriu o prometido. Diz ele que Lula não conseguiu cumprir a promessa porque encontrou pela frente a resistência do agronegócio, a “violência do latifúndio”;
• o resumo dos resumos, segundo o bispo é este: enquanto as promessas de Lula são cumpridas de maneira “insatisfatória” e “muito devagar”, o agronegócio cresce em todo o país “com toda a força e com todo o incentivo”.
Passando a ladainha em revista, só posso, sem um pingo de humor, pedir ao Pai que perdoe dom Thomaz porque ele sabe o que diz. E está longe de ser inocente.
Do temor da candidatura Alckmin os eleitores darão conta em outubro próximo. A sociedade dirá o que ela é e o que ele representa. É de direita? É de centro-alguma-coisa? É de esquerda? Se for a candidatura do Estado de Direito, não for leniente com o banditismo do rebanho de Stedile e enxotar das entranhas do Estado a “quadrilha” descrita pelo procurador Antonio Fernando de Souza, Alckmin não fará mais que o dever. Por contraposição, o governo Lula nem o dever constitucional cumpre – o que não incomoda nem um pouco dom Tomás Balduíno.
Apesar da queda do Muro de Berlim, e já lá vão quase duas décadas, o bispo ainda acredita na existência de grupos sociais ungidos por uma ética natural, coisa que, por si só, dá conta de impedir os desvios morais dos seus militantes. Depois do que o PT, Lula e quadrilha fizeram no poder, dom Tomás deveria se cobrir de humildade para reconhecer, como disse o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), em entrevista à Primeira Leitura, que, “se a esquerda não é o bem absoluto, então a direita não pode ser tratada como mal absoluto”. Simples, corajoso, dito em um contexto profundamente cristão e muitos pontos éticos acima do farisaísmo ideológico praticado por dom Tomás.
Coisa de corriola
O temor da “volta da direita” levaria, segundo o bispo, a reforçar o apoio das entidades sociais à reeleição de Lula. O governo é ruim, mas dom Tomás continua a achar que o investimento no mercado da esperança política compensa. Qual é a compensação? Sei lá! Duvido que ele saiba. Aqui, o problema é menos o amor que ele sente pelo PT e Lula e mais o cultivo de um ódio tolo contra os tucanos e outros grupos políticos, como se “uma coisa de pele” entre gente dita de esquerda bastasse para resolver os problemas do Brasil. Vale menos a proposta e mais a camaradagem politiqueira. Coisa de corriola!
Os conceitos do bispo sobre agricultura, agronegócio, indústria e desenvolvimento econômico são uma pantomima medieval. Uma tolice sem limites. Pior, ao mandar a Aracruz “calar a boca”, veio à tona o stalinismo de batina professado por dom Tomás. Calar a boca? Falta de autoridade moral? Ora, senhor bispo, se até um réu confesso tem direito a falar e a se defender, por que a empresa, que não cometeu nenhum crime, não poderia fazê-lo? Afinal, se até o senhor, sem razão nenhuma, pode dizer um monte de bobagens, por que a Aracruz, vítima de banditismo explícito, deveria ficar calada?!
O que defende o bispo? A perpetuação de uma espiral de perdição em que se enfiou o MST de João Pedro Stedile. No início, era a luta contra o latifúndio improdutivo – nada mais justo. Depois, começaram as invasões a fazendas produtivas, muitas delas bem longe de poderem ser consideradas latifúndios. Com o aprofundamento do vale-tudo, prédios do Incra, agências de bancos e outros prédios públicos passaram a ser invadidos.
Com a realidade a fugir dos pés e assessorado por ambientalistas mequetrefes, desses que falam em “deserto verde”, o MST enveredou pela invasão de indústrias de celulose sob o argumento de que sem-terra não come “eucalipto”. Quando a escalada tornou-se absolutamente irracional e puramente ideológica, regressista, foi a vez de o laboratório de pesquisas da Aracruz ser invadido e destruído. E qual foi o argumento? Tratava-se de um “empreendimento da burguesia”, e os cientistas que lá trabalham “venderam-se ao grande capital”.
Trata-se de um rosca sem fim que leva à estupidez em estado puro. E é disso que dom Tomás se tornou patrono. As plantações de eucalipto são malévolas porque “ninguém come eucalipto”, mas a mamona, que também ninguém come, virou a planta-símbolo da agricultura familiar e da produção do biodiesel. Será que a simpatia vem do óleo de rícino, extraído da mamona e recomendado para quem sofre de prisão de ventre?!
Por que será que os “anos de violência” da Aracruz, que dom Tomás não explicita o que seja, o incomodam tanto, enquanto a violência sistemática e explícita perpetrada pelo MST não ajuda a canonizar o movimento, mas lhe rende a reverência de “grande força patriótica do país”? A resposta deve ser vesga como a conclusão tão óbvia quanto burra sobre a reforma agrária no governo Lula, a violência no campo e a força do agronegócio.
A grande vitória do movimento marxista-lenista foi, desde sempre, no campo da retórica. Dom Tomás sabe praticá-la como ninguém, provou-o nesta terça. Vejam só a diferença entre os fatos e seus delírios: nunca, como nos anos FHC, o agronegócio foi tão forte e, descontados os anos iniciais do Plano Real, tão rentável. Em nenhum outro tempo se deu tão aceleradamente a transição do latifúndio improdutivo para o latifúndio produtivo e nunca se assentou tanto sem-terra como nesse período – resta, o que não é um problema menor, a questão da produtividade desses assentamentos.
Afinal, por que é que o agronegócio não se contrapôs à reforma agrária tocada no governo FHC, e agora estaria sendo o empecilho da performance sonhada pelo bispo dom Tomás para o governo Lula?
O problema, dom Tomás, é que secou a nascente da farsa.
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