PROJETO DE DECRETO LEGISLATIVO (com negrito por minha conta)
Dispõe sobre a sustação do inciso III do artigo 1º e inciso III do artigo 4º do decreto n.º 51.460, de 1º de janeiro de 2007.
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO DECRETA:
Artigo 1º - Fica sustado, nos termos do artigo 20, inciso IX da Constituição do Estado, o inciso III do artigo 1º e inciso III do artigo 4º do Decreto n.º 51.460, de 1º de janeiro de 2007, que dispõe sobre as alterações de denominação da Secretaria de Turismo para Secretaria de Ensino Superior e estabelece a vinculação das Universidades estaduais para a Secretaria de Ensino Superior.
Artigo 2º - Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A divisão orgânica de poderes prevista no texto constitucional sob a máxima de estabelecer a harmonia e independência estabelece a forma do sistema de freios e contrapesos, atribuindo aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário a autonomia necessária para suas funções e o poder de fiscalização e coibição de abusos perpetrados pelos demais.
A fórmula constitucional de criação das leis transferiu ao Legislativo, como principal guardião de sua incumbência, deixando aos demais poderes fórmulas adjuntas de coesão para legislar no que se refere a suas atribuições.
Com isso a Constituição outorgou ao Executivo a prerrogativa de estabelecer decretos para regulamentar regras de administração de seu sistema, desde que não contrarie a Constituição e as leis infraconstitucionais.
O inciso III do artigo 1º do Decreto 51.460/07, nas palavras do Professor Dalmo Dallari, pode ser considerado extremamente audacioso, pois extrema uma tentativa de alterar pontos substanciais da ordem pública,
criando e extinguindo órgãos de grande relevância na organização administrativa fundamental do Estado, fingindo que só estão sendo mudados os nomes de alguns desses órgãos, sem nenhuma consideração pelos objetivos que inspiram a criação desses órgãos e pelas características de suas organização.
Denota-se que a ilegalidade na criação da Secretaria do Ensino Superior revela-se da forma mais cristalina e ampla, uma vez que não houve uma simples alteração da denominação, mas se criaram competências diferentes e estruturação administrativa totalmente diversa da Secretaria que foi substituída.
Em artigo o jurista Dalmo Dallari revela de maneira objetiva e direta qual a tradução a ser dada por esta manobra realizada pelo Executivo estadual: Essa pretensa mudança de nome é uma aberração mais do que óbvia, pois o nome identifica toda uma estrutura, criada para atingir objetivos determinados e organizada para atingir essa finalidade. É do mais elementar bom senso que tendo sido criada para fomentar o turismo aquela Secretaria foi organizada de modo a poder atuar na área do turismo, com órgãos adaptados às características dessa área e, obviamente, com um funcionalismo especializado nesse setor de atividade. Se o Governador alega que vai aproveitar a mesma organização e os mesmos funcionários estará afirmando um absurdo, pois ninguém será tão tolo a ponto de admitir que o mesmo dispositivo criado para atuar no turismo será competente e eficiente para desempenhar atividades de apoio e fomento à Educação Superior.
E se disser que haverá completa alteração da estrutura organizacional e substituição do funcionalismo por outro capacitado para agir na área da Educação Superior, criando-se os cargos indispensáveis para tanto, estará confessando a fraude, a extinção de uma Secretaria e a criação de outra sob o simulacro da mudança de nome. Isso, além de tudo, configura uma inconstitucionalidade em face da Constituição do Estado de São Paulo.
A máxima da inconstitucionalidade pode ser verificada pela forma expressa da Constituição paulista indicar o procedimento de aplicação de lei para criação de Secretarias, restando ao decreto apenas a regulamentação quanto à sua maneira de administração e funcionamento.
Denota-se que a estrutura formada para atender a Secretaria de Turismo não pode ser a mesma para atender a Secretaria de Ensino Superior. As especialidades dos agentes e as técnicas de administração diferem de forma absoluta.
A distorção entre os métodos e sistemas de administração das Secretarias de turismo e ensino superior são tão nítidas que obrigou o Poder Executivo a promulgar o decreto n.º 51.461/07 para organizar a competência e funcionamento da Secretaria de Ensino Superior.
Caso fosse a ordem de uma simples modificação nominal para encaixar uma filosofia ou uma forma de administração de uma secretaria, não seria necessária tamanha alteração no sistema de trabalho.
Mais uma vez utilizamos as lúcidas elucubrações do renomado jurista Dalmo Dallari, que define a criação do Decreto n.º 51.461/07 da seguinte maneira: Em sentido oposto à necessidade de criação de órgãos e de cargos para especialistas em educação, é evidente que muitos órgãos, ligados ao turismo, ficarão inúteis, por absoluta inadequação, com a simulação da simples mudança de objetivos, impondo-se a extinção de tais órgãos, pela exigência óbvia de eliminação de despesas inúteis. Acrescente-se que com a simulação de simples mudança de nome da Secretaria, tentando ocultar a extinção de uma e a criação de outra, o Governo ofendeu a Constituição do Estado de São Paulo. De fato, pelo artigo 19, inciso VI, da Constituição, compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador do Estado, dispor sobre a criação e extinção de Secretarias do Estado. Ou seja, esses atos exigem a aprovação de uma lei pela Assembléia Legislativa, não podendo ser praticados por decreto.
O método utilizado pelo Poder Executivo de promulgar decretos sem atenção a seu limite de atuação e contrariando normas constitucionais se caracteriza como notório desvio de poder.
A relação entre a determinação da competência legiferante e sua atuação consoante as normas de organização do Estado revela-se como principal eixo de equilíbrio da relação entre os poderes, sendo sua supressão uma afronta direta ao estado democrático de direito.
Noutra vertente, surge outro ponto de notória e nítida inconstitucionalidade que pende a vinculação das Universidades de São Paulo – USP, Estadual de Campinas – UNICAMP, Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, Medicina de Marília – FAMEMA, Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP, para a malfadada Secretaria do Ensino Superior.
A Constituição Federal e, por simetria, a Constituição Estadual pautaram como uma de suas principais diretrizes o desenvolvimento e acesso indistinto de todos os cidadãos à cultura.
Como uma das maneiras de possibilitar o desenvolvimento da cultura e crescimento da formação educacional do povo, a Constituição atribuiu às Universidades autonomia. Na concepção constitucional a autonomia pode ser definida como autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, na esfera do peculiar interesse universitário.
O único limite que pode ser atribuído à autonomia constitucional está na qualidade do ensino oferecido e nas pesquisas produzidas; qualquer outra forma de vinculação da Universidade a órgãos ou Secretarias estaduais fere a principal prerrogativa do desenvolvimento cultural e educacional do país
Podemos afirmar que o único ponto que realiza a universidade e a difere dos outros órgãos ou pessoas ligadas à administração está na faculdade de dispor dos métodos e meios de ensino e pesquisa.
Vincular a Universidade ao Executivo de forma absurda, ilegal, inconstitucional se revela não só como um vício de iniciativa e irregularidade no concernente ao desvio de poder, como afronta flagrantemente o Estado Democrático de Direito.
O Estado deixa de administrar para impor uma forma de coação ao desenvolvimento cultural, dispondo na expressão “vinculada” o método de hierarquia e submissão que emperram e impedem o livre e necessário desenvolvimento da pesquisa e da propagação da cultura.
Assim, não se trata apenas de uma simples ilegalidade ou abuso, mas sim de uma maneira de usurpar o poder conferido pela democracia, transformando o Estado em uma oligarquia dirigida pela vontade única de seu núcleo soberano.
Sala das Sessões, em
Deputado Rui Falcão
Deputado Carlinhos Almeida
Deputado Vicente Cândido