by mends » 13 Apr 2004, 09:02
FBI
CC: Como é que era o jogo entre vocês, os russos, a ABIN?
CAC: A ABIN é um órgão que não dá para definir...
CC: Não dá para ser definida?
CAC: Não dá para ser definida. A ABIN foi criada com as boas intenções de um Serviço de Inteligência, mas não tem as divisas suficientes para se desenvolver. Quando um Serviço de Inteligência se torna pedinte ante estrangeiros, se expõe, deixa de ser secreto. Corre imensos riscos. A ABIN, como a Polícia Federal, pede equipamentos, recursos, treinamento, a vários países, e não apenas aos Estados Unidos. Pedem para Israel, Rússia, Japão, França, entre outros. A ABIN se prostitui. Quando você recebe equipamentos de serviços secretos, deve saber que é rotineira a clonagem...
CC: O que é clonagem?
CAC: É um duplo embutido no seu equipamento, que transfere para o “doador” as informações disponíveis naquele equipamento.
CC: Uma outra informação que antes não tive como publicar: a ABIN foi grampeada através de equipamentos que vocês haviam fornecido?
CAC: Não sei... não posso falar... fazer suposição sobre isso, mas...
CC: Mas vocês forneceram equipamentos?
CAC: ...não sei, mas calculo, pelos meus contatos, que a ABIN tinha também outros países a fornecer equipamentos. Deixa eu lhe dizer uma outra coisa: se eles grampearam ou grampeiam alguém, se eles o fazem com algum equipamento nosso ou alguma coisa, é irrelevante para nós. O uso que outros fazem dos equipamentos não é problema nosso.
CC: Vocês, os serviços secretos dos EUA, forneceram equipamentos a ABIN para grampear?
CAC: Sim. Nós prestamos essa assistência aos nossos parceiros. Mas isso não indica que nós vamos saber aquilo que eles estão a fazer.
CC: O.k. Agora apenas uma hipótese e não sobre grampeamento direto: se houver a necessidade de monitorar, por exemplo, o que se passa no Palácio da Alvorada num domingo de tarde. Isso é possível?
CAC: É. Essa é uma tecnologia, de satélite, que todos sabem que existe.
CC: A propósito de monitoramento por satélite vem à cabeça o Sivam, Amazônia...
CAC: Isso de dizer que os americanos querem a Amazônia é paranóia, é uma invenção dos militares brasileiros para obter verbas. Sempre tive acesso aos documentos secretos e nunca li uma coisa assim, nunca houve esse interesse, nem há. Até porque a invasão da Amazônia seria uma missão impossível. Se nós estamos com esse problema no Iraque, que só tem areia, e fomos derrotados na selva do Vietnã, imagine a Amazônia, um território desconhecido, com milhões de árvores... Seríamos comidos. Senão pelos caboclos, pelo pessoal treinado na selva ou pelos índios, seríamos devorados por mosquitos e cobras. Esqueçam essa paranóia, a maioria dos norte-americanos pensa que Buenos Aires é a capital do Brasil... Eles não têm a menor idéia do que é a Amazônia. Aliás, tenho a impressão de que o meu ilustre presidente não tem a mais vaga idéia nem do que seja a Amazônia. Muito menos onde ela se encontra.
CC: E o Brasil, eles sabem onde fica?
CAC: O ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil Neil Harrington me disse que, quando lhe ofereceram o cargo, teve que olhar no mapa para saber onde era o Brasil. Durante um coquetel, algumas caipirinhas depois, o embaixador me revelou que não conhecia “absolutamente nada” sobre o Brasil, a sua história, cultura, e pensava que a língua aqui falada era o espanhol.
CC: Terroristas no Brasil. O que é fato, o que é ficção? Vocês apuraram o quê, chegaram aonde?
CAC: Fizemos uma investigação conjunta dos atentados à embaixada israelense em Buenos Aires, que em 17 de março de 1992 matou 29 pessoas e feriu centenas, e à sede da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), que matou 85 pessoas e feriu mais de 300 em 1994. O FBI e a CIA prestaram assistência às autoridades argentinas que investigavam. Eu, antes de assumir no Brasil, tive acesso às informações e reuniões sobre esses assuntos com os próprios argentinos, em Buenos Aires. O que eu posso dizer é que os atentados na Argentina foram organizados no Brasil, em território brasileiro.
CC: Isso é absolutamente seguro? Foram organizados no Brasil?
CAC: Foram organizados no Brasil, na região de Foz do Iguaçu.
CC: Como? Houve reuniões, encontros?
CAC: Foi dali que eles planejaram os atentados. Agora, as pessoas que os organizaram e os fizeram não foram pessoas que necessariamente viviam no Brasil e muito menos eram brasileiros.
CC: Mas usaram o território brasileiro?
CAC: Usaram o território brasileiro, mas ali é uma Tríplice Fronteira...
CC: Aí entramos numa outra questão: há células terroristas na fronteira? Vocês investigaram. Há ou não há?
CAC: Não há. Planejaram-se atentados ali, é verdade, mas investigamos exaustivamente, nós, a CIA, os serviços secretos dos países, e não conseguimos comprovar a existência de células terroristas ali, no entanto...
CC: No entanto o quê?
CAC: Havia, e há, uma obsessão, uma paranóia do governo Bush, para encontrar terroristas. Ali não há, pelo menos não comprovamos, apesar de amplas investigações. Há simpatizantes, mas essa é uma outra questão. Sempre houve uma obsessão com a Tríplice Fronteira, e sempre achei isso uma coisa muito ridícula. Os nossos Serviços de Informação e de Inteligência estavam, estão, focados no lugar errado. Na Tríplice Fronteira, existem mais ou menos 40 mil árabes ou descendentes, enquanto São Paulo tem mais libaneses ou descendentes, por exemplo, do que o próprio Líbano.
CC: O que acontece, então, na Tríplice Fronteira?
CAC: Algumas coisas. A primeira delas é que ali é um lugar que por si só é fora-da-lei. É um lugar de contrabando, e muitos desses grupos árabes são bons contrabandistas, bons comerciantes, vamos dizer assim. É um lugar que facilita a troca de mercadorias de segunda classe, pirataria de equipamento, lavagem de dinheiro...
CC: Mas grupos terroristas vocês nunca detectaram?
CAC: Terroristas nunca foram detectados. E investigamos muito, até porque o Brasil sempre perguntou a nós: “Vocês sabem onde estão os grupos terroristas?” O que tem é muita retórica...
CC: Vocês monitoram aquela fronteira já há muitos anos, não?
CAC: Eu, o FBI pelo menos, jamais consegui confirmar um único caso de células terroristas ali. Sempre informei isso e os colegas da CIA informaram o mesmo. O que há são atividades criminosas de outra ordem. Agora, que dinheiro é recolhido para organizações que têm seus braços terroristas, isso é uma outra questão.
CC: Isso vocês identificaram?
CAC: Há quem envie dinheiro para o Hezbollah? É certo que há, mas o Hezbollah é um partido político legal que tem o seu braço armado, terrorista. Bem, em Detroit, em Nova York, nós temos cidadãos americanos que mandam dinheiro para o Hezbollah, para orfanatos, hospitais, mas que destino final tem esse dinheiro é algo tão incerto quanto parte do dinheiro que, Brasil e mundo afora, grupos judaicos enviam para Israel. Quando os israelenses fazem suas operações, alguém financiou, e certamente o fez via um braço legal. Da mesma forma, em Boston, em Nova York, simpatizantes do IRA mandam e sempre mandaram dinheiro para a Irlanda....
CC: E o IRA é também um partido político com vida legal, assim como os bascos têm partido político com vida legal...
CAC: A própria família Kennedy, de católicos irlandeses, sempre simpatizou com os católicos irlandeses, e esses envolvimentos às vezes são arriscados. Você manda uma contribuição para uma escola, mas não tem certeza se aquele dinheiro, ou todo ele, servirá exatamente à escola. Mas, se você me pergunta se é possível que dinheiro da Tríplice Fronteira chegue aos braços armados do Hezbollah, aí eu respondo: “Sim, possível é, o que não quer dizer que tenha sido confirmado”.
CC: Bem, vocês têm uma extrema-direita que age dentro do próprio território americano, com atentados...
CAC: Essas milícias de direita que provocam e provocaram atentados como em Oklahoma existem, isso é fato. Como é fato que o que temos hoje no governo dos Estados Unidos são facções políticas também da extrema-direita, e elas estão a alienar cada vez mais o país do mundo.
CC: Dentro dessa moldura, do pós 11 de setembro, houve a determinação, um empenho extra para que vocês achassem terroristas dentro do Brasil?
CAC: Sim. Em todo o mundo, e também no Brasil. Mas essa é uma outra questão muito delicada...
CC: Muito delicada por quê? O senhor, além daquela, recebeu alguma outra ordem, instrução, determinação específica relacionada ao Brasil...
CAC: Bem... Depois do 11 de setembro, o FBI queria justificar que estava a fazer alguma coisa contra o terrorismo. E muita gente dentro do FBI não tem noção de como combater o terrorismo, não faz a mínima idéia...
CC: Certo, certo, mas que questão delicada é essa a que o senhor se referiu?
CAC: Houve uma determinação, uma ordem de Washington, e houve uma recusa minha. Uma das minhas recusas nesses quase quatro anos no Brasil...
CC: Recusa a qual ordem?
CAC: A um monitoramento das mesquitas que existiam...
CC: No Brasil?
CAC: No Brasil.
CC: “Monitoramento” que todos os que conhecem um mínimo de espionagem, contra-inteligência, sabem o que é: fazer escutas, vigiar, vasculhar. Quem eram os alvos, os xeques?
CAC: Xeques, aiatolás, líderes da comunidade muçulmana, todos os membros e de todas as formas possíveis. Claro que eu me recusei a fazer isso.
CC: Isso numa das maiores comunidades árabes do mundo...
CAC: Eu me recusei a fazer uma coisa dessas porque...
CC: Com que argumentação recusou, se você é da contra-inteligência, se é exatamente um espião?
CAC: A minha argumentação foi simples: isso é um crime. É crime nos Estados Unidos porque fere a Constituição, assim como os direitos civis, é crime na Europa e é crime segundo a Constituição no Brasil. Uma democracia não pode admitir isso, ainda mais numa escala como a que pretendiam fazer no Brasil, onde está prescrita a liberdade de religião e culto.
CC: Pela lei lá e cá você não poderia “monitorar” xeques e mesquitas sem autorização legal?
CAC: Correto. E eles ainda pediram que eu fizesse listas...
CC: Que levantasse quem eram as pessoas, o que faziam...
CAC: Quem eram as pessoas, suas atividades... Não me admiraria se hoje em dia isso estiver a acontecer no Brasil, e se isso um dia vier à tona. Vivemos, infelizmente, um neomacarthismo e eu, algumas vezes, me recusei a fazer parte disso. Há certas ocasiões em que uma pessoa deve se recusar a cumprir ordens inconstitucionais.
CC: Setores importantes da Inteligência no Brasil temem que esteja a se fabricar um ato terrorista que justifique esse tipo de política. Isso é uma informação.
CAC: É provável. Todas as sociedades temem que um ato de terrorismo vá acontecer dentro delas. Agora, se será implantado...
CC: ...fabricado...
CAC: ...fabricado num país alheio. Pelo menos os Estados Unidos não o fariam... Melhor, escreva aí, com aspas: “Eu não o autorizaria”, e não creio que os Estados Unidos fariam uma coisa dessas com o Brasil.
CC: Ainda com relação à Tríplice Fronteira e às comunidades árabes, e a ordens e instruções: o fato de você não ter feito ações não significa que à sua revelia não possam ter sido feitas, ou que um outro Serviço não o tenha feito?
CAC: Se fizeram, eu não saberia te dizer, só asseguro que com autorização minha não fizeram. Agora, eu não posso falar do que está a acontecer hoje em dia, nem quais são as ordens dos que me substituíram...
CC: Você não sabe se foi cumprido ou não. Isso vale para tudo? Vale desde o “monitoramento” até...
CAC: Vale para tudo.
CC: Pelo protocolo, você deveria ser monitorado pela Polícia Federal brasileira...
CAC: E deveria ter contato só com uma autoridade da Polícia Federal. A DEA e a NAS, apesar de “doarem”, vamos dizer assim, milhões de dólares para a conta de um só indivíduo da Polícia Federal, não poderiam ter contato com outras instituições, especialmente estaduais.
CC: No total, entre todos os Serviços, vocês são uns cem funcionários dentro do Brasil, pelo menos. É isso?
CAC: Não sei. Não sei quantos estão aqui. E você deve entender que há coisas que não posso e não devo falar, mesmo depois de aposentado.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")