by mends » 01 Mar 2006, 15:22
As contas suíças de Lênin
O revolucionário tinha dinheiro em Zurique.
Como essa notícia ajuda a derrubar o mito
Por FÁBIO ALTMAN
Tudo o que é sólido desmancha no ar, uma das mais conhecidas máximas do Manifesto Comunista de Marx e Engels, pode ser aplicada, definitivamente, a um seguidor da dupla: Vladimir Ilitch Ulianov, o Lênin. Na semana passada, um ex-coronel do Exército Vermelho anunciou
ter descoberto em Zurique, na Suíça, uma conta corrente em nome do revolucionário de primeira hora. Ela está registrada com o número 611361 e, no momento da partida de Lênin da Suíça, em 1917, rumo à Estação Finlândia de Moscou, tinha 5 francos suíços. Nos valores
de hoje, aplicados juros e inflação, além de duas guerras mundiais, equivaleria a parcos 8 euros, pouco mais
de R$ 25.
O que importa, nessa história, é o simbolismo, e não a quantia. Virou piada, aos olhos revisionistas de um mundo globalizado, saber que Vladimir empunhou a bandeira vermelha enquanto deixava uns trocados na Suíça, onde morou. "Sabemos que ele teve que deixar Genebra às pressas em 27 de março de 1917, e imaginei que não tivesse tido tempo de fechar a conta no banco", disse Tarenko ao jornal Komsomolskaia Pravda. A neta de Lênin, Olga Ulianova, dá de costas à informação. "Não quero nem falar sobre esse assunto", apressou-se em declarar.
O desmanche leninista não é de hoje, e os oportunistas não perdem chance de acelerá-lo. Há oito anos, quando os suíços abriram os depósitos das vítimas do Holocausto, de modo a devolver o dinheiro arrestado, já havia aparecido uma conta em nome de Vladimir Ilitch. Era um montante equivalente a US$ 70, algo como
US$ 13 mil atuais. Cabe lembrar que ele nunca foi muito apegado a dinheiro no próprio bolso, postura semelhante a de Stalin, que jogava rublos no cofre como quem manipulava folhas de papel em branco. Mas quando se tratava de alimentar a revolução, aí sim nada recusavam. Lênin recebeu vultuosa ajuda de Arthur Zimmerman, ministro das relações exteriores da Alemanha entre 1916-1917, de modo a permitir o retorno dos bolcheviques à Rússia, logo depois do primeiro golpe contra o czar. Lênin e turma aliavam-se com quem podia ajudar, sem grandes preocupações com as cores políticas.
“Essa descoberta é quase anedótica”, diz Álvaro Bianchi, professor do departamento de Ciência Política da Unicamp. “Mas o fato de ele permanecer sendo notícia é resultado de sua dimensão histórica”. Depois do período do culto à personalidade, imposto pelo stalinismo, Lênin virou mito. Houve, depois, a necessidade de desmistificá-lo, de torná-lo humano. “A conta suíça faz parte desse processo”, diz Bianchi. “Mas é importante notar que a própria teoria de Lênin já tratava do vigor do imperialismo financeiro, o que ajuda a explicar a existência da conta agora anunciada”. É inquestionável, porém, que 90 anos depois, a história é ingrata com Lênin. Ele desmanchou. Só continua sólido, no subsolo do Kremlin, porque foi embalsamado. As filas que lá se formam, coalhadas de turistas, não são muito diferentes daquelas que antecipam a estréia de um novo filme da série Harry Potter. Adeus Lênin, parecem anunciar os escassos 8 euros descobertos na semana passada
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")