Pro Mends ficar p***
10 - A nova política da América Latina
Cenário que emergiu após pensamento hegemônico dos anos 1990 é tema de
debate na Reunião Anual SBPC
Bolívia, Chile, Colômbia, México e Peru são alguns dos países
latino-americanos que tiveram eleições presidenciais nos últimos meses. Junto
com eles, as recentes sucessões no poder executivo de Brasil, Argentina,
Uruguai, Venezuela e outros países ajudaram a conformar um novo
panorama político na região, marcado por uma alternativa ao pensamento único
hegemônico que emergiu após o fim do longo período de ditaduras e por um
fortalecimento institucional. Esse novo cenário foi discutido por
sociólogos e cientistas políticos em uma mesa-redonda na 58a Reunião Anual
da SBPC.
O panorama político latino-americano que está emergindo deve ser
enxergado à luz da história recente da região. No início do século 20, os
países do continente viveram um período de modernização das estruturas
políticas, sociais e culturais, marcado pela urbanização acelerada e pela
emergência de líderes populistas de grande carisma, como o brasileiro
Getúlio Vargas e o argentino Juan Domingo Perón.
A era do populismo foi seguida por um ciclo de ditaduras militares, que
ocuparam o poder em boa parte dos países latino-americanos de meados
dos anos 1960 ao início dos anos 1990. A transição gradual para a
democracia se deu em um contexto de alta do petróleo e ameaça de
hiperinflação. Para enfrentar a crise, muitos países da América Latina adotaram
então políticas macroeconômicas de tendência neoliberal, caracterizadas por
privatizações, contenção de gastos e corte de benefícios sociais.
As mudanças recentes no panorama político da América Latina oferecem
justamente um contraponto a esse modelo, segundo a análise do cientista
político Benedito Tadeu César, professor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS) e participante da mesa-redonda. “Vivemos um
momento muito rico, que não é um retorno ao velho populismo nem o trilhar de
uma esquerda tradicional”, avalia. “Trata-se da busca de uma
alternativa a esse modelo hegemônico que nenhum de nós sabe ainda o que é.”
Segundo o cientista político, o panorama político atual é caracterizado
ainda por um fortalecimento institucional no conjunto da América
Latina, em graus variados em cada país. “Com todos os problemas, há um
fortalecimento partidário e do poder legislativo, além de um processo de
respeito às forças políticas contrárias, que não se via no período da
hegemonia do neoliberalismo.”
Integração sul-americana
Na avaliação da cientista política Ingrid Sarti, professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o novo cenário político
configura o momento ideal para que se instaure a necessária integração do bloco
da América do Sul. Segundo ela, essa união não deve se pautar por um
sentimento anti-Estados Unidos. “Não somos anti-americanistas; somos
sul-americanos. Como diz o peruano Alán Garcia, o que está em jogo é uma
integração sul-americana livre de ideologias.”
Sarti considera a integração do continente fundamental neste contexto
histórico em que temos um bloco hegemônico forte sem qualquer
contraponto, como havia na época da Guerra Fria. “Neste momento do capitalismo em
que o conhecimento é moeda forte, é absolutamente relevante que a
América do Sul se afirme como bloco e que tenha como meta a autonomia dos
nossos povos e a redução das profundas desigualdades que mantivemos até
aqui”, afirma.
Voz dissonante
Uma interpretação diferente do cenário político latino-americano atual
foi apresentada quando a mesa-redonda foi aberta ao debate. O
especialista em relações internacionais Alcides Costa Vaz, professor da
Universidade de Brasília (UnB), discordou da visão dos debatedores. “Os
processos eleitorais recentes na América Latina confirmam uma fragmentação
política na região, em vez de marcar um fortalecimento de forças
progressistas”, considera. “O que delineia melhor a nossa região é uma cisão
entre forças nacionalistas – em países como Argentina, Brasil, Uruguai,
Bolívia, Venezuela e Cuba – e forças liberais – no Chile e em outros
países.”
Segundo Vaz, a fragmentação política latino-americana é marcada por
visões antagônicas sobre um projeto regional para o continente, sobre
estratégias de desenvolvimento e prioridades políticas. “O que termina
unindo a América Latina – ou mantendo algum grau de coexistência civilizada
entre diferentes regimes políticos – é apenas um sentido de pragmatismo
muito forte”, afirma ele. “É o pragmatismo, e não a ideologia, que dita
a postura do Uribe com o Chávez, do Kirchner com o Chávez ou do Lula
com o Uribe.”
(Bernardo Esteves, da Ciência Hoje On-line)