by mends » 15 Mar 2004, 14:15
AMBEV
MARCEL TELLES VENDEU SUAS AÇÕES ANTES...
Mentor da aliança Interbrew/Ambev vendeu 160 milhões de
papéis preferenciais antes daquele que foi o maior negócio
de cervejas do mundo
... E SÉRGIO ROSA COMPROU 3,5 BILHÕES
DE AÇÕES. PERDEU QUASE R$ 900 MILHÕES
Presidente da Previ fez um dos piores negócios do fundo
ao adquirir um monumental lote de ações preferenciais da
Ambev, antes do acerto com belgas
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Por Ricardo Grinbaum e Leonardo Attuch
Negociação Telles começou a se encontrar com os sócios belgas em março de 2003
O brasileiro Marcel Telles, presidente do Conselho de Administração da Ambev, foi quem idealizou, planejou e executou o maior negócio já feito no mundo na área de cervejas: a aliança entre a belga Interbrew e a brasileira Ambev, anunciada dias atrás. Na operação, os três principais ex-controladores da companhia – o próprio Telles e seus sócios Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira – receberam um prêmio de 78% na venda de suas ações ordinárias, papéis com direito a voto, e embolsaram US$ 4,1 bilhões. As ações preferenciais da Ambev, porém, caíram mais de 30% depois do anúncio da operação – no mercado financeiro, avalia-se que o negócio foi muito ruim para os acionistas com tais títulos. A novidade no caso Ambev é que Telles foi quem mais vendeu ações preferenciais da companhia, meses antes do anúncio da operação. De acordo com documentos encaminhados à Securities Exchange Comission (SEC), o xerife do mercado financeiro americano – e obtidos pela DINHEIRO –, Telles possuía 372,8 milhões de ações preferenciais da Ambev (1,53% do total), em junho de 2002. No entanto, no dia 15 de julho de 2003, tal posição havia se reduzido para 213,1 milhões de ações (0,93% do total). Telles vendeu praticamente 160 milhões de ações preferenciais no período. Foi quem mais se desfez dos títulos, segundo levantamento da Bloomberg, uma empresa de informações financeiras. Considerando o preço médio dos papéis, apurado pela consultoria Economática, a posição vendida por Telles vale cerca de R$ 70 milhões. Procurada pela DINHEIRO, a Ambev não informou qual a quantidade de ações preferenciais da companhia que Telles ainda mantém em sua carteira de investimentos, nem o porquê de ter vendido um lote substancial de títulos, que se desvalorizaria drasticamente depois do negócio.
O perdedor Rosa, da Previ, estuda ir à CVM para contestar a operação
Os documentos enviados à SEC também revelam que a movimentação financeira de Telles em 2003 contrasta com o que ele vinha fazendo nos anos anteriores. Entre 2001 e 2002, por exemplo, como mostra o relatório da SEC de 17 de junho de 2002, ele ampliou seu lote de preferenciais de 345 milhões para 372,8 milhões de ações. Foi só depois que ele começou a virar a mão e a vender preferenciais, como mostra o relatório da SEC de 15 de julho de 2003. Quatro meses antes do relatório da SEC, em março daquele ano, no Carnaval, aconteceram as primeiras conversas entre acionistas da Ambev e da Interbrew. No camarote da Brahma, na Marquês de Sapucaí, um dos convidados ilustres foi Alexander Van Damme, um dos controladores da empresa belga. Ele veio ao Brasil e passou incógnito no camarote. Em seguida, Van Damme voou para Angra dos Reis, onde se reuniu com os controladores da Ambev na mansão de Jorge Paulo Lemann. As conversas se intensificaram e prosseguiram até que o negócio fosse finalmente concluído. Anunciado publicamente no dia 3 de março último, provocou reação imediata. Analistas e investidores apontam que o acordo privilegiou os controladores em detrimento dos detentores de preferenciais. Pelas contas da Economática, os donos das preferenciais perderam R$ 1,3 bilhão, entre a data do anúncio do negócio e a quinta-feira 11 passada.
A operação Interbrew/Ambev ganhou uma dimensão ainda maior quando executivos da própria cervejaria brasileira, entre eles Victorio de Marchi, oriundo da Antarctica, admitiram que talvez tenha havido vazamento de informações. A denúncia já gerou uma investigação interna do xerife de mercado brasileiro, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O presidente interino da CVM, Vladimir Castelo Branco, diz que, em tese, a apuração sobre casos de informação privilegiada não se restringe a um prazo limitado entre o início e a conclusão de um negócio. Até mesmo operações com papéis feitas com grande antecedência podem ser investigadas, dependendo das circunstâncias. O que importa, na visão dos técnicos da CVM, é checar se os controladores usaram informações de que os demais acionistas não dispunham, em benefício próprio, para obter ganhos. Não é a primeira vez que esse tipo de problema acontece na vida de Marcel Telles. Quando a AmBev foi criada, na negociação entre Brahma e Antarctica, em julho de 1999, surgiram rumores de que teria havido vazamento de informações às vésperas do anúncio oficial. A CVM chegou a investigar se a trinca Telles, Lemann e Sicupira, controladores da Brahma, havia comprado no mercado papéis com direito a voto da Antarctica, que teriam tudo para se valorizar nos dias seguintes. Otávio Ângelo da Veiga Neto, primo de Sicupira, também foi investigado. Em junho de 2002, os três controladores da Ambev assinaram um termo de compromisso, em forma de acordo, com a CVM. A investigação foi encerrada graças ao pagamento de uma multa de R$ 300 mil e a edição, patrocinada pela Ambev, de um manual de boas práticas corporativas.
Na operação recente, com a Interbrew, o acionista mais prejudicado, por ser o maior detentor de títulos preferenciais, foi a Previ, fundação dos funcionários do Banco do Brasil, que tem mais de 70 mil aposentados e pensionistas. Em julho de 2002, a Previ sequer aparecia no relatório enviado à SEC pela Ambev. Um ano depois, em julho do ano passado, a Previ, sob a gestão do atual presidente Sérgio Rosa, já tinha 3,5 bilhões de ações preferenciais (15,38% do total). Os técnicos da Previ ainda não têm um número oficial das perdas com a operação. Mas, segundo os últimos dados públicos, sua carteira de ações da Ambev valia perto de R$ 2,9 bilhões às vésperas do negócio com a Interbrew. Uma semana depois, o valor caiu para R$ 2 bilhões. Ou seja: sofreu um prejuízo de quase R$ 900 milhões. Depois da perda monumental, a fundação anunciou que deve prestar queixa à CVM. “Estamos conversando com os advogados para decidir qual caminho tomar”, disse um executivo da Previ. Se a fundação não agir, os funcionários do Banco do Brasil irão tomar a dianteira. “Caso fique claro que os três controladores lucraram às custas dos prejuízos dos acionistas preferenciais, a Previ terá que tomar providências”, disse Valmir Camilo, presidente da Associação Nacional dos Funcionários do BB. “E se não fizer nada, podemos ir à Justiça para obrigá-los a agir.”
Reputação abalada. No mercado internacional, há também muito desconforto entre grandes investidores. A americana Alliance Capital, que possuía uma posição de US$ 18 milhões em ações preferenciais da Ambev, perdeu quase US$ 5 milhões. “No passado, eu falei várias vezes com o Marcel Telles e ele sempre disse que não havia risco para os detentores de papéis preferenciais porque ele próprio era um dos grandes preferencialistas”, disse à DINHEIRO o belga Jean Van de Walle, gestor da Alliance. “Se ele vendeu ações, não foi um procedimento ético”. Para Van de Walle, o grande problema da operação Intebrew/Ambev é que os três controladores foram “gulosos” demais. Outro fundo de investimentos, o britânico Schroders, estima ter perdido US$ 30 milhões. “É irracional o que está acontecendo”, afirma Beto Bretas, gestor do fundo. Clecius Peixoto, do Emerging Markets Investors Corporation, avalia que o caso Ambev pode manchar a credibilidade do mercado brasileiro, por evidenciar a falta de proteção aos interesses dos minoritários. E o mais grave é que, graças ao histórico de bons lucros da Ambev, Telles era considerado um ídolo do mercado financeiro. No capítulo final, ele ganhou muito dinheiro, mais saiu com a reputação abalada.
"I used to be on an endless run.
Believe in miracles 'cause I'm one.
I have been blessed with the power to survive.
After all these years I'm still alive."
Joey Ramone, em uma das minhas músicas favoritas ("I Believe in Miracles")